sábado, 26 de março de 2011

Paulo Vanzolini - musicalidade até no nome

Paulo Vanzolini passava horas no laboratório, mas adorava a boemia (Abril-Press)

Paulo Vanzolini é daqueles artistas que carregam a musicalidade até no nome. Só não tinha nada artístico na profissão que escolheu: zoólogo, especialista em Herpetologia (estudo dos répteis). Imaginem... Isso não dá samba, nem cabe nas rimas improvisadas do desafio. Mas Vanzolini não tinha alma apenas de cientista. Foi boêmio e desenvolveu seu talento poético e musical nas ruas, bares, inferninhos e prostíbulos da grande São Paulo.
O sambista paulista faz 87 anos no próximo dia 25 de abril. Sofreu influência dos tempos do rádio, quando trabalhou na Rádio América e foi colega de Cacilda Becker – “passamos muita fome juntos”. Sua inspiração veio principalmente das ruas, das histórias contadas e vividas pelo cientista-boêmio, do samba crioulo (“não tem introdução, nem segunda parte”), da música americana, quando foi aos Estados Unidos fazer doutoramento e pode conviver com o jazz de preto velho.
Mas, Vanzolini gostava mesmo era de improvisar versos e rimas. Era uma craque no desafio, quase imbatível. Nessa arte, teve como grande parceiro Carlos Paraná, com quem passava horas, à vezes, um dia inteiro, desafiando o amigo ou a quem chegasse.
Vanzolini não dispensava o cachimbo (Abril)
Certa vez, desafiou um “cobrão” da região de Piracicaba. O rapaz o chamou de frango novo, e disse que não se metia com franguinho. Vanzolini respondeu: “Eu sou frango novo/ isso é coisa que eu não nego/ Mas que eu sou frango novo/ Isso é coisa que eu não nego/ Roda, morena, que isso é coisa que eu não nego/ Estou experimentando a espora/ nas costas de um galo cego”. O sujeito apelou e sentou o violão na cabeça de Vanzolini.
O sambista-cientista apanhou, mas também bateu, algumas vezes. Adorava uma briga. Tinha um amigo, baixinho, de um metro e meio, que servia de isca para provocar a polícia. Quando o policial se irritava, e partia para brigar, ele e os amigos saíam de onde ficavam escondidos, e já vinham acusando: “Batendo no baixinho, né?”
Compôs canções maravilhosas com Eduardo Gudin (Condição de Vida, Mente, Longe de Casa Eu Choro), com Paulinho Nogueira (Valsa das Três da Manhã, Boneca), Toquinho (Boca da Noite), Elton Medeiros (Dançando na Chuva), e com tantos outros. Dedicou-se ao samba, mas também fez valsas, choros, toadas, e recolheu o tema popular conhecido como Cuitelinho, gravado por Milton Nascimento.
O álbum Acerto de Contas, quatro CDs, é antológico. Nele, vários artistas, cantores e instrumentistas, interpretam as canções que Vanzolini fez ao longo da carreira, sozinho ou com seus parceiros. O compositor diz que é uma acerto de contas dele, Vanzolini, com os artistas. "Era uma dívida que eu tinha com todos eles", explica.
Sua paixão pelo desafio, seu cuidado com o uso das palavras e das rimas, fez com que compusesse inclusive um samba de breque, que é pouco conhecido: Samba do Suicídio. Apesar do tema, uma peça engraçadíssima. Ouçam abaixo, na voz meio desajeitada do próprio Vanzolini, e leiam a letra.
  

Samba do Suicídio
Paulo Vanzolini

Que eu andei mal não é segredo
Duro como um rochedo
E jogando sem sorte
Poeta de morte no esporte
Do amor sempre mau sucedido
Um dia abatido pegando jornal
Pra me servir de colchão
Ao estendê-lo no chão
Li uma notícia que confirmou a minha opinião
Estava dura e nana 18 suicídios naquela semana
Com a notícia assim lida
Encontrei a saída
Do problema e da vida
Sem perda de um minuto
Subi no viaduto
E atirei-me no espaço
Meu Deus que fracasso
Eu estava tão consumido
Que um ventinho distraído
Que estava a soprar
Foi me levando pelo ar
Pra me largar num fio
No alto de Santana
Voltei a pé para a cidade
O que levou uma semana
Voltei ao problema
Por outro sistema
E tomei formicida
E tive a maior surpresa de minha vida
Descobrindo assim
Que o que andavam servindo
Aqui no botequim
Não era tatuzinho
Chá de briga
Era tatu mesmo
O fazedor de orfão de formiga
Me deu um frio na barriga
E um calor no duodeno
Aí fiz a pele do galego
Que é pra largar mão de veneno
Penso então que o que mais me convém
É ficar embaixo do trem
Que assim é certo eu entrar bem
Sem pensar mais
Eu corri para o Brás
E joguei a carcaça embaixo de
Maria fumaça de 28 vagões
E nestas condições
O resultado foi fatal
Vejam a notícia no jornal
Pavoroso descarrilhamento na Central
Deu tanto morto e estrupiado
Que eu fiquei meio chateado
Procuro então um padre confessor
Que me aconselhou
Moço não seja tolo
E meta um tiro no miolo
Mas bom senhor pois não deu senhor
Eu tenho corpo fechado
Na tenda Pai Zulu
Dou ricochete em bala
E a durindana assim resvala em meu peito nu
Por esse lado eu não dou chance pra urubu
Nem vou morar lá no Caju.

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