Miltinho entrou na minha vida nos
tempos de criança, quando atravessávamos a rua pra ouvir música na radiola de
tia Constância, preferencialmente aos domingos, depois da missa na Matriz. Na
sala de tia Constância havia um móvel bonito, elegante, que além de tudo isso
ainda tocava discos de vinil – em 33, 45 e 78 rotações por minuto. Supermoderno
e chique. Contava os dias da semana pra poder ouvir música no domingo. Da Jovem
Guarda, comandada por Roberto Carlos, passando por ídolos da MPB, música
internacional, até os clássicos, ouvíamos de tudo.
Foi lá que conheci Mulher de 30 e Cara de Palhaço, entre outras maravilhas do universo miltiniano. A
voz anasalada, ritmada e afinadíssima desse cantor ímpar nos acompanhou por
décadas, mesmo no período em que seu estilo de cantar saiu de moda. Milton
Santos de Almeida, popularmente consagrado como Miltinho, morreu no último
domingo, no Rio de Janeiro, aos 86 anos de idade, vítima de parada cardiorrespiratória.
Tinha uma voz singular, difícil de
combinar com conjuntos vocais, mas isso não o impediu de fazer sucesso e gravar
belas páginas da nossa música em duetos com Elis Regina, Jair Rodrigues,
Elizeth Cardoso, Cyro Monteiro, Dóris Monteiro, Elza Soares, Chico Buarque,
Luiz Melodia, Ed Mota e Zeca Baleiro. Seu maior talento estava sem dúvida no
ritmo, na capacidade de executar o fraseado, dando à música uma beleza
inigualável.
Sobre esse dom, Miltinho fez uma revelação
interessante. "Sou ritmista. A única particularidade é que canto dois
tempos atrasado, a harmonia vai na frente. Você fica com dois tempos para
errar. As pessoas não sabem que dois tempos em música é troço que não acaba
mais, dá pra escrever uma carta pra casa", disse com a ironia que lhe era
habitual.
Nós, brasileiros, temos o péssimo
hábito de deixar cair no esquecimento nossos mais ilustres representantes da
música popular. Foi assim, com Cartola, Miltinho, Cyro Monteiro e tantos
outros. Pra matar a saudade desse talento que nos deixou no último domingo, o segredo é ouvi-lo e apreciar o que nos deixou de bom. Que não é pouca coisa.
Boa lembrança e justa homenagem Carlão! Sonoridade ímpar na voz!
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