Resolvi falar um pouco sobre a saída
dos médicos cubanos no programa Mais
Médicos. Antes de qualquer coisa, e acima de tudo, deixo claro que o considero
um belo programa de saúde pública, embora esteja muito longe de ser a solução
para os nossos problemas nesse quesito. Aliás, muito longe disso.
O programa foi um bom achado para dar
assistência mínima a quem, nos rincões e nas áreas indígenas, não tinha socorro
médico algum. Aí, vem o argumento contrário de que nessas regiões não existem
infraestrutura. Bom, penso que é melhor um médico onde não há infraestrutura,
do que a ausência dos dois. Para essas pessoas, costumo argumentar que, nessas
regiões, uma parteira, um enfermeiro, são pessoas capazes de ajudar a população
pobre no sentido de ter reduzido seu sofrimento e até mesmo os riscos de morte.
Mas, esse argumento nem sempre os convence. Reconheço, pode ser que eu esteja
errado.
Na sequência, geralmente, vem o
argumento ideológico. Esse é o pior. Querem nos convencer de que por serem de
Cuba - portanto, filhotes da ditadura comunista - não têm diploma compatível
com aqueles concedidos no Brasil; não têm preparo, conhecimento médico
suficiente para cuidar da nossa gente humilde.
Foi por isso que pedi autorização a
duas pessoas para narrar a experiência de suas famílias, lá nos rincões do
Brasil esquecido, abandonado pelo poder público, pelos políticos, distante
principalmente da saúde pública.
O primeiro caso é o da Jane, diarista
aqui de casa aos sábados. Ela é uma pessoa de poucas letras, mas, de uma
experiência de vida inigualável. Veio para Brasília trazendo a filha mais
nova e deixando dois filhos com a mãe, no interior do Maranhão. Foi explorada,
trabalho escravo, quando aqui chegou, em plena capital da República. Trabalhou
meses na casa de uma amiga da família sem receber um tostão.
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Foto: Araquém Alcântara
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Pois bem. O Mais Médicos, na avaliação dela, é um programa salvador para o seu
pai, sua família, amigos, conhecidos e desconhecidos da cidade de Serrana e de
toda as outras daquela região. Quem são os médicos que estão por lá? Os
cubanos. Foram eles que atenderem o pai da Jane, de um problema sério de saúde,
oferecendo dedicação e carinho, coisas que todos precisam nesse momento.
Ficou triste, emocionada, quando soube
que os médicos cubanos vão deixar o programa e sair daquele rincão maranhense.
Tem esperança de que eles sejam substituídos pelos competentes e preparados
médicos brasileiros, devidamente diplomados. Acredito que ela até enxergue
um fator atrativo para a ida dos profissionais brasileiros: eles não terão que
pagar 70% dos seus salários ao Estado. Se forem para essa região de fato,
provavelmente, a tristeza da Jane terá sido em vão e todos voltarão a sorrir e
a ter assistência médica básica, mínima.
Segundo caso. O da Eva, carinhosamente
chamada por nós de Evinha. Doméstica, assalariada, também deixou a família no
interior para tentar uma vida melhor na capital da República. Veio do norte de
Minas, das barrancas do São Francisco. Não trabalhou em regime de escravidão,
mas, foi explorada. Muito inteligente. Foi vítima de criação adotiva. Faltou
estímulo, apoio, para avançar nos estudos, ficando só com o ensino primário
completo.
Pois bem, seu depoimento é o de que o
programa Mais Médicos foi a salvação de um povo esquecido naquele rincão
abandonado na fronteira com a Bahia. Ela conhece pessoas que choraram e chegaram
ao desespero com a notícia da saída desses profissionais, para eles, tão
dedicados e atenciosos. Talvez, no entanto, sejam salvas pela adesão dos
médicos brasileiros ao programa para substituir os cubanos. Isso não é
impossível, mas está gerando preocupação.
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Foto: Araquém Alcântara |
Preocupações? Sim, e bem justificadas.
Fico receoso quando vejo um relato no Facebook, reproduzido abaixo, feito por
uma cidadã que me garantiu ser o retrato fiel da realidade. Ela mesma diz que
só acredita porque ouviu com os dois ouvidos que Deus lhe deu. Se a maioria dos
nossos profissionais de saúde pensar assim, começo a entender a tristeza da
Jane, da Evinha e de todos os seus familiares. Não vai dar certo.