O amigo Baltazar Cardoso postou no Facebook essa foto acima. Barbeiro e cabeleireiro lá de Uruaçu – aquela
cidade que fica no centro de Goiás, do Brasil, da Terra, quiçá, do Universo –,
ele faz parte da nossa história, não apenas pela sua profissão, mas também por estar
inserido na nossa cultura musical e folclórica. O cliente dele é doutor
Cristovam Francisco Ávila, nosso mestre maior e sobre quem já escrevi neste blog (para ler, clique aqui).
A foto fez-me
voltar no tempo e lembrar de quando erámos obrigados a ir ao barbeiro. Criança,
de um modo geral, não gosta de cortar cabelo. No meu caso, era um pouco
diferente. Frequentávamos a barbearia do Valdomiro, que era bem em frente da
nossa casa. Só atravessar a rua. E nela tinha Zé Paraibano, um senhor sério, um
pouco carrancudo, mas, engraçado, piadista, contador de histórias.
Então, ir ao barbeiro era interessante. Conversar e ouvir histórias. Lembro que estava um dia no armazém de meu pai, quando meu primo Luizinho entrou alvoraçado: “Zé, vamos lá na barbearia, Luís Coelho tá cortando o cabelo com Zé Paraibano”. Luís Coelho, piauiense, boêmio, primo da minha mãe, foi uma das pessoas mais engraçadas que conheci. Fomos pra lá e rimos até sair lágrimas pelo canto dos olhos e sentir dores na barriga.
Baltazar além de
talento para a profissão, fez curso em Brasília de barbeiro e cabeleireiro, porque, segundo ele, são coisas diferentes.
Mandou colocar uma placa na frente da barbearia enaltecendo esse item do seu
currículo. O pintor escreveu: “Barbeiro e Cabeleireiro concursado”. Ou seja, em
Uruaçu, pra exercer essa profissão era preciso fazer concurso.
Logo surgiram os
primeiros salões de beleza e a profissão de barbeiro, exclusiva do sexo
masculino. Fico imaginando se vivêssemos naquele tempo, meu primo Luizinho
entraria lá em casa: “Zé, vamos lá na barbearia, Sócrates foi aparar a barba!”.
Mas, nos séculos
XVI e XVII, a profissão era associada às de médico e de dentista. Os barbeiros
foram acusados de praticar a sangria de forma exagerada, sem pudor. No século
XIX, as profissões de dentista e de médico se afastaram da de barbeiro. E
somente no século XX a mulher foi incorporada à profissão e também admitida como
cliente. Surgiram os salões unissex.
No mundo da artes, Fígaro, O
Barbeiro de Sevilha, personagem da obra de Gioacchino Rossini, é um profissional
que faz de tudo na sua cidade: arranja casamentos, ouve confissões e espalha
boatos. A
ópera conta a história de sua tentativa de ajudar um conde a
conquistar o coração de uma jovem.
No Brasil, a
profissão foi trazida pelos jesuítas. Esteve durante muitos anos associada aos
escravos. E por consequência ganhou um vínculo muito forte com a música. Com
muita liberdade, eles tocavam lundus, dobrados, quadrilhas, fados,
fandangos e chulas, muito em voga naqueles tempos. Estavam sempre presentes nas
festas, nas portas das igrejas e eram até reverenciados com a alcunha de "música
de barbeiro". Jean-Baptiste Depret retratou isso muito bem em suas belas pinturas.
A associação do amigo Baltazar e de sua profissão à música tem
raízes históricas e culturais. Baltazar toca violão, canta e participa ativamente das
folias de reis em Uruaçu. Nossas homenagens a ele, a todos os barbeiros, in memoriam,
a Valdomiro e Zé Paraibano. Nossos barbeiros do Machombombo (córrego que corta Uruaçu).
Nenhum comentário:
Postar um comentário