Hoje é dia de um bando de gente falsa ir pras redes sociais dizer: eu
amo a minha sogra!
Mentiroso. Um genro no máximo tolera a sogra enquanto perdidamente
apaixonado pela filha dela. Sempre foi assim desde que começaram os
acasalamentos no mundo.
Minha sogra, dona Odessa de Freitas, era uma figura admirável pela inteligência,
espirituosidade, cultura e pelo tanto que dava atenção aos parentes e aos amigos
e amigas. Não media esforços para ir visitar alguém distante, que estivesse precisando
da presença dela – o difícil é acreditar que alguém precisasse daquela
presença... mas, ela ia.
Tinha um temperamento difícil. Boa numa discussão e de briga,
principalmente com os parentes e mais especialmente com as filhas. Comigo, não.
Nunca brigou porque eu a levava na troça e na base da brincadeira.
Uma dessas brincadeiras foi a crônica publicada no jornal O Popular
de Goiânia, Goiás. Republico abaixo para apreciação dos leitores do blog.
Minha sogra já nos deixou. Foi tentar descobrir um outro mundo em que
não exista genro chato e implicante. Vai ser difícil...
Quero ver quem vai ser o primeiro a gritar: “Eu amo minha sogra!”.
Minha sogra pulou a cerca
Por José Carlos Camapum Barroso
Quem diria, hein? Depois de 80 anos de idade, dedicados plenamente à
família, sustentados por um discurso fortemente moralista e conservador, minha
sogra resolveu pular a cerca. Para surpresa de todos: netos, bisnetos, filhos
e, principalmente, dos genros – afinal, já imaginou se o “problema” for
hereditário?
Sorte dela que não vive em país mulçumano nem professa religião
fundamentalista. Fico imaginando a ex-distinta senhora sendo massacrada em
praça pública se vivesse, por exemplo, no Afeganistão, onde não escapam do
sacrifício nem as pobres imagens de Buda.
A mulher (no sentido genérico, não a minha sogra em particular, claro)
recebe punição, em pleno terceiro milênio da Era Cristã, pelo simples fato de
descobrir o rosto. Enquanto isso, em outros países, ganha proporcionalmente à
quantidade de roupas que tira. Quanto mais descobre, mais cobertos ficam os
seus saldos bancários. Ressalto essas contradições por mera especulação. Não me
passa pela cabeça (imaginem!) que minha sogra tenha tomado tal decisão por
motivos tão fúteis... Será?!?
Sorte da minha sogra também por não ter vivido na Idade Média, quando
tais atos eram considerados ofensivos à moral cristã e, não raro, atribuídos a
bruxas, feiticeiras e outras personalidades do gênero. A punição, morte na
fogueira. Aí ficamos imaginando, nós, membros da família, se também vivêssemos
naquela época, como iríamos sofrer! Quanta dor! Reunião familiar à base de
churrasquinho, então, nem pensar. Durante muitos e muitos anos...
Odessa adorou a Crônica |
Mas o fato, tal como se deu, mereceria a atenção especial do mestre do
cinema italiano Frederico Fellini, se vivo fosse. Na realidade seria mesmo para
um filme de longa-metragem. Minha sogra gastou 20 minutos (sugestivo esse
tempo, hein?) para superar uma barreira, mais especificamente uma cerca, uma
porteira na fazenda de sua filha, no interior de Goiás, próximo ao município de
Rio Verde.
Ela, sozinha, abandonada pelo ônibus na rodovia, resolveu pular a
porteira fechada por um cadeado. Era impossível passar entre um fio e outro de
arame estendido. Embora lisos, os arames estavam muito próximos um dos outros
para o seu corpicho. Foram dez minutos sofridos para galgar o topo do
obstáculo; e outros dez minutos de apreensão para proceder à íngreme descida. E
o medo de despencar lá de cima e ficar abandonada na estrada da fazenda, por
onde raramente passam carros. Aí, sim, o título desta crônica seria: Sogra
quebra a bacia ao pular cerca.
Felizmente nada aconteceu de mais grave, além da cena cinematográfica,
felliniana, de pular a cerca. Também sou forçado a explicar que minha sogra é
viúva, o que exclui o zunzum de que ela estaria pulando cerca...
Pura intriga de algum genro despeitado, provavelmente daquele que tascou o
cadeado na porteira quando soube que receberia tal visita. Alguns
comentaristas, por preciosismo, poderiam dizer que uma mulher viúva, depois de
certa idade, não pula cerca. No máximo, estaria procurando expandir a
propriedade.
Neste caso, seria sorte dos filhos, netos e bisnetos. Afinal, são os
herdeiros do patrimônio. Nós genros, não somos considerados parentes...
Azar o nosso.
(Publicado no jornal O Popular, em setembro de 2001)
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