sábado, 31 de julho de 2021

Fogo na Cinemateca é culpa do descaso com a cultura nacional

Queimaram mais uma cantinho nobre da nossa memória cultural. Tragédia anunciada e lamentada em prosa, músicas e versos. Um filme de terror passando diante dos olhos de milhões de brasileiros que amam a arte cinematográfica. A sétima arte, como propôs, lá em 1923, o intelectual italiano Ricciotto Canuto, em seu Manifesto das Sete Artes e Estética da Sétima Arte.

Ocorreu na noite de quinta-feira (29/7), o quinto incêndio a atingir a Cinemateca Brasileira, responsável por guardar, preservar e difundir a produção audiovisual do país. O anexo atingido pelo fogo tem cópias de longas e curtas-metragens de várias épocas. Mais uma memória importante da nossa cultura virando cinzas.

Tragédia anunciada em prosa, versos e cantos de todos os cantos desse Brasil prenhe de desprezos e descasos para com a cultura. Artistas, autoridades e principalmente os funcionários da Cinemateca já vinham há meses advertindo sobre a situação precária da instituição e para os riscos de incêndio no local.


O material ali armazenado tem, por si só, um considerável potencial de combustão, os filmes antigos são a base de nitrato de celulose, e por isso mesmo exigem revisões periódicas como único caminho para se evitar incêndios. Tanto isso é fato que a Cinemateca, ao longo de sua história, já pegou fogo por cinco vezes. Outros virão?

O governo do neonazifascista Jair Bolsonaro – que de novo não tem nada –  deu bananas para a cultura brasileira desde sua posse no cargo de presidente. Também não disfarça, não tenta esconder nem pede desculpas para qualquer de seus atos terrivelmente contrário às artes, aos artistas e aos profissionais que vivem da cultura.


Foi assim e assim será enquanto esse ser abominável tiver a caneta na mão, um bando de seguidores fanáticos, o Centrão no centro do poder – que também de novo não tem nada –, além de uma parte da mídia submissa e subserviente aos interesses mais imediatos do capital.

Assim tem sido e assim continuará sendo enquanto não tivermos uma consciência ampla e generalizada do valor e da importância da cultura para o desenvolvimento brasileiro. Os profissionais e produtores das artes no Brasil têm que viver mendigando apoios e investimentos, correndo os corredores da burocracia com o pires não mão. Saem de lá tal qual entraram... quando muito, carregando migalhas.


Voltando ao incêndio, enquanto as cinzas ainda exalam fumaça, a perícia ainda vai ser feita, a investigação será levada adiante, mas, alguém aí tem dúvida de que ninguém será responsabilizado ou pagará de alguma forma por mais essa tragédia? Outra pergunta que não quer calar: alguém aí viu qualquer manifestação do secretário da Cultura, Mário Frias, prometendo alguma coisa ou se solidarizando de alguma forma? São muitos alguns para tão pouca existência...

Há muita revolta e decepção no mundo da cultura brasileira. Estamos pagando um preço muito alto por tanto descaso. E as gerações futuras vão sofrer as consequências mais intensamente ainda.

Para terminar, sem finalizar, faço minha as palavras da atriz Fernanda Montenegro:

"Toda a nossa cultura das artes sofre um 'cala a boca' neste momento.

Mas vamos renascer, tenho certeza. Nós temos certeza.

Das cinzas, vamos renascer. É sagrado o eterno retorno.

Das artes, então. Na cultura das artes, então.

Um país não existe sem cultura ligada às artes."



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