segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Brasil perde o talento do pianista Nelson Freire

A semana começou terrivelmente triste. Morreu o músico Nelson Freire, aos 77 anos, na madrugada desta segunda-feira (1º/11), um dos maiores pianistas do mundo. A empresária do artista confirmou a morte, mas não soube dar detalhes da causa que o teria levado a óbito. Ele foi encontrado morto em sua casa, no Rio de Janeiro.

No ano de 2019, Freire sofreu um acidente fazendo caminhada e teve que se submeter a uma cirurgia no ombro. Apesar do sucesso da cirurgia, pessoas amigas contam que ele andava deprimido. Sua volta aos palcos estava prevista para o ano passado. Os concertos tiveram que ser cancelados por causa da pandemia do novo coronavírus.

Nelson Freire é um dos maiores artistas brasileiro. Ao longo de sua carreira subiu aos principais palcos do mundo. Além do virtuosismo e técnica invejável, era admirado pela extraordinária sensibilidade para tocar temas dos compositores da música clássica. Seu CD de interpretações de composições de Chopin é elogiado pela crítica internacional e recebeu os prêmios Diapason d’Or e "Choc", do periódico francês Monde de La Musique.

Nelson Freire nasceu em Boa Esperança, no interior de Minas Gerais, em outubro de 1944. Começou ao piano aos três anos de idade e, ainda em Minas, foi aluno de Nise Obino. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve aulas com Lúcia Branco.

Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, em 2015, Freire relembrou a infância e o começo de sua relação com a música. Assim como do primeiro recital, aos 5 anos de idade, no Cine-Teatro Brasil.


"Eu toquei peças como La vie em rose, La Paloma e Quizas, quizas, quizas. Foi um começo cross-over", ele brincou. "Mas eu me divertia também. A família era grande, eu tinha muitos primos, além dos meus irmãos. Eu adorava andar a cavalo, tomar banho no córrego, partir minhoca no meio e ver as metades se mexendo. Eles matavam passarinho com estilingue, mas isso eu não gostava. Só teve uma vez que eu tirei as asas de uma mosca, fui olhar ela com uma lente e acabei queimando a bichinha."

Tendo começado a estudar piano desde cedo, Nelson Freire, aos 12 anos de idade, foi o sétimo colocado no Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro. Logo em seguida, ganhou uma bolsa de estudos para estudar em Viena.


Ao final da década de 1950, Freire já fazia recitais e concertos nas capitais europeias e se apresentava com célebres regentes como Isaac Karabtchevsky e Rudolf Kempe.

No ano de 1964 Freire ganhou o Concurso Internacional de Piano Vianna da Motta em Lisboa e recebeu, em Londres, as medalhas de ouro Dinu Lipatti e Harriet Cohen

Entre as orquestras com as quais Nelson Freire se apresentou estão a Filarmônica de Berlim, a Orquestra Sinfônica de Londres, Orquestra Filarmônica de São Petersburgo e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.

No início dos anos 2000, o pianista foi tema de um documentário de João Moreira Salles. O filme mostrava a personalidade do pianista: tímido, avesso a entrevistas, ele preferia se comunicar ao piano. "Quanto tenho de falar é um problema", ele brincava sempre que começava uma entrevista. No filme, vemos ainda sua paixão pelo jazz, pela pianista Guiomar Novaes, a relação de amizade com Martha Argerich e com o próprio instrumento: uma das cenas mais célebres é aquela em que, na Sala São Paulo, chega à conclusão de que aquele piano não gosta dele.




O sucesso do filme coincidiu com uma nova etapa da carreira de Freire, que passou a realizar novas gravações após quase duas décadas longe dos estúdios. "Eu não gosto de gravar, todo o ritual me incomoda. Mas depois que comecei de novo acho que peguei gosto pela coisa. Agora, quero gravar cada vez mais. E tem outra coisa, para um músico como eu, que não gosta de ficar viajando o tempo todo, o disco tem uma outra vantagem: ele viaja para mim e eu fico em casa", brincou em entrevista de 2004.


As gravações para o selo Decca renderam registros de referência de peças como os dois concertos de Brahms, o Concerto Imperador de Brahms e o Concerto nº 2 de Chopin. Também foram marcantes os discos solo dedicados a Beethoven, Schumann e Debussy, além de Encores, em que gravou uma série de autores brasileiros.


Na lembrança do público, no entanto, fica gravada para sempre uma outra peça, que Nelson Freire costumava sempre apresentar como bis em suas apresentações: a Melodia de Orfeu e Eurídice, de Gluck. A delicadeza, o lirismo - ali ficava sempre clara a relação íntima entre o artista, seu instrumento, sua música. O que sua morte agora transforma em memória inesquecível.


É mais uma perda imensurável para a nossa cultura. O céu está ficando repleto de talentos e por aqui vamos ficando cada vez mais pobres do ponto de vista musical, e por consequência mais tristes.

(Com informações publicadas nas redes sociais e em veículos de comunicação) 


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