A
semana começou terrivelmente triste. Morreu o músico Nelson Freire, aos 77
anos, na madrugada desta segunda-feira (1º/11), um dos maiores pianistas do
mundo. A empresária do artista confirmou a morte, mas não soube dar detalhes da
causa que o teria levado a óbito. Ele foi encontrado morto em sua casa, no Rio
de Janeiro.
No
ano de 2019, Freire sofreu um acidente fazendo caminhada e teve que se submeter
a uma cirurgia no ombro. Apesar do sucesso da cirurgia, pessoas amigas contam
que ele andava deprimido. Sua volta aos palcos estava prevista para o ano
passado. Os concertos tiveram que ser cancelados por causa da pandemia do novo
coronavírus.
Nelson
Freire é um dos maiores artistas brasileiro. Ao longo de sua carreira subiu aos
principais palcos do mundo. Além do virtuosismo e técnica invejável, era
admirado pela extraordinária sensibilidade para tocar temas dos compositores da
música clássica. Seu CD de
interpretações de composições de Chopin é elogiado pela crítica internacional e
recebeu os prêmios Diapason d’Or e "Choc", do periódico francês Monde
de La Musique.
Nelson
Freire nasceu em Boa Esperança, no interior de Minas Gerais, em outubro de
1944. Começou ao piano aos três anos de idade e, ainda em Minas, foi aluno de
Nise Obino. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve aulas com Lúcia Branco.
Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, em 2015, Freire relembrou
a infância e o começo de sua relação com a música. Assim como do primeiro
recital, aos 5 anos de idade, no Cine-Teatro Brasil.
"Eu toquei peças como La vie
em rose, La Paloma e Quizas, quizas, quizas. Foi um começo cross-over",
ele brincou. "Mas eu me divertia também. A família era grande, eu tinha
muitos primos, além dos meus irmãos. Eu adorava andar a cavalo, tomar banho no
córrego, partir minhoca no meio e ver as metades se mexendo. Eles matavam
passarinho com estilingue, mas isso eu não gostava. Só teve uma vez que eu
tirei as asas de uma mosca, fui olhar ela com uma lente e acabei queimando a
bichinha."
Tendo começado a estudar piano desde cedo, Nelson Freire, aos 12 anos de idade, foi o sétimo colocado no Concurso Internacional de Piano do Rio de Janeiro. Logo em seguida, ganhou uma bolsa de estudos para estudar em Viena.
Ao final da década de 1950, Freire já
fazia recitais e concertos nas capitais europeias e se apresentava com célebres
regentes como Isaac Karabtchevsky e Rudolf Kempe.
No ano de 1964 Freire ganhou o
Concurso Internacional de Piano Vianna da Motta em Lisboa e recebeu, em
Londres, as medalhas de ouro Dinu Lipatti e Harriet Cohen
Entre as orquestras com as quais
Nelson Freire se apresentou estão a Filarmônica de Berlim, a Orquestra
Sinfônica de Londres, Orquestra Filarmônica de São Petersburgo e a Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo.
No início dos anos 2000, o pianista foi tema de um documentário de João Moreira Salles. O filme mostrava a personalidade do pianista: tímido, avesso a entrevistas, ele preferia se comunicar ao piano. "Quanto tenho de falar é um problema", ele brincava sempre que começava uma entrevista. No filme, vemos ainda sua paixão pelo jazz, pela pianista Guiomar Novaes, a relação de amizade com Martha Argerich e com o próprio instrumento: uma das cenas mais célebres é aquela em que, na Sala São Paulo, chega à conclusão de que aquele piano não gosta dele.
O sucesso do filme coincidiu com uma
nova etapa da carreira de Freire, que passou a realizar novas gravações após
quase duas décadas longe dos estúdios. "Eu não gosto de gravar, todo o
ritual me incomoda. Mas depois que comecei de novo acho que peguei gosto pela
coisa. Agora, quero gravar cada vez mais. E tem outra coisa, para um músico
como eu, que não gosta de ficar viajando o tempo todo, o disco tem uma outra
vantagem: ele viaja para mim e eu fico em casa", brincou em entrevista de
2004.
As gravações para o selo Decca
renderam registros de referência de peças como os dois concertos de Brahms, o
Concerto Imperador de Brahms e o Concerto nº 2 de Chopin. Também foram
marcantes os discos solo dedicados a Beethoven, Schumann e Debussy, além de
Encores, em que gravou uma série de autores brasileiros.
Na lembrança do público, no
entanto, fica gravada para sempre uma outra peça, que Nelson Freire costumava
sempre apresentar como bis em suas apresentações: a Melodia de Orfeu e
Eurídice, de Gluck. A delicadeza, o lirismo - ali ficava sempre clara a relação
íntima entre o artista, seu instrumento, sua música. O que sua morte agora
transforma em memória inesquecível.
É mais uma perda imensurável para a nossa cultura. O céu está ficando repleto de talentos e por aqui vamos ficando cada vez mais pobres do ponto de vista musical, e por consequência mais tristes.
(Com informações publicadas nas redes sociais e em veículos de comunicação)
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