Como compete a todo marido zeloso e
dedicado, decidi acompanhar minha mulher ao posto de vacinação para receber a
dose de reforço contra o terrivelmente avassalador vírus da covid-19. Não que
ela se oponha à vacina, muito pelo contrário. É defensora da imunização, das
medidas não-farmacológicas e da ciência acima de tudo. Mas, tem receio da
picada da agulha, isso lá tem. E muito.
Chegamos por volta das 2 horas da tarde. Sol
quente e a fila razoavelmente extensa. Mas, bem-organizada, e fluindo bem.
Lá pelas tantas ouço uma voz em alto e bom som de
um cidadão gravando um áudio no celular. Algumas pessoas têm dificuldade de
entender que suas conversas telefônicas só a ele e a pessoa do outro lado da
linha interessam. Falam na maior altura como se todos os presentes, e até
alguns ausentes, tivessem interessados nos seus negócios, segredos, casos amorosos
e problemas pessoais, inclusive os financeiros.
Deus nos livre e guarde. A tecnologia trouxe
muitas soluções, mas também uma série de problemas novos, agravados pela
socialização da ignorância e do atraso. O sujeito que fala alto no telefone em
locais públicos deveria ser multado, ter o aparelho confiscado e só devolvido
depois que o proprietário, por castigo, fosse obrigado a ler a coleção completa
de Machado de Assis. De lá sairia, com certeza, um cidadão.
Mas, voltando à fala do dito cujo. Ele estava gravando
um áudio para o filho que, segundo informou, não consegue encontrar, não recebe
dele ligações, ou seja, um filho ingrato... Disse ele mais ou menos o seguinte.
“Ôi, filho. Tudo bem? Você não me liga, não dá
notícia. Fico sem saber se você está bem, até mesmo se está vivo. Essa noite
sonhei contigo. Foi um sonho até bom! Você tava pegando uma mulher casada.
Imagina, um mulher casada! Cuidado, meu filho. Isso é perigoso. Tome cuidado. E
veja se me liga. Dê notícias!”
Foi aquele clima na fila da vacinação. Todo mundo
ouviu. Alguns riram discretamente, outros balançaram a cabeça negativamente.
Uma senhora, ao meu lado, chegou a murmurar: “é muita falta de noção!”. Eu
achei engraçado, mas, pra evitar qualquer mal-entendido, perigoso e preocupante,
perguntei pro arauto de voz sonora.
- Meu senhor, por acaso essa mulher – “a vítima” –,
ela está aqui nessa fila de vacinação? Ou não?
- Não, não! Ela mora e está em Sobradinho – disse
complacente, como se estivesse fazendo um grande favor pra muita gente naquele
local.
Fiquei aliviado. Descobrir que você é corno, aos
67 anos de idade, numa fila de vacinação, no calor de 2 horas da tarde, é meio
muito.
A fila voltou a andar. Minha mulher foi atendida
rapidamente. Saiu de lá imunizada. E eu, imune.
A gente passa cada uma nessa vida.
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