Toda
cidade tem uma alma. A Avenida Araguaia é a alma da nossa pequena e
aconchegante Uruaçu, encravada no meio-norte goiano, no centro do Centro-Oeste e do Brasil, do mundo e, quiçá, do Universo (faltam alguns cálculos para se confirmar
isso com maior segurança). Não há uruaçuense que não tenha um pezinho naquela
avenida, um pensamento, uma memória, enfim, algo pra contar ou relembrar daqueles
bons tempos.
Os
irmãos Campos, Ítalo e Itaney, uruaçuenses da gema, filhos da família fundadora
da cidade, lançaram neste mês de agosto um livro que reúne, em forma de contos
e crônicas, memórias relacionadas à Avenida Araguaia, onde viveram a infância e
boa parte da adolescência.
Avenida
Araguaia, Rio de Memória, nos faz viajar por um tempo de
inocências e ingenuidades que nos leva a pensar, não sem razões, que éramos
felizes e que tempos iguais não existiram e jamais existirão.
Minha
memória dessa rua está associada em primeiro lugar à casa da Dona Dunica, mãe
de Santaninha. Ela foi uma verdadeira mãe para minha mãe Iracema, órfã de mãe
aos nove anos de idade. Era pra casa dela que íamos, quando crianças, passar o
dia inteiro, provavelmente domingos e feriados, e “banhar na grota da Dunica”,
onde existiam um pequeno riacho e uma mina d’água.
Outras
referências são os campos de futebol de várzea que existiam por ali. Depois de
uma boa pelada, nada melhor do que um mergulho pelado nas águas ainda límpidas
do córrego Machombombo. Quantas histórias e memórias andaram e ficaram por lá,
pelos bananais e adjacências... Tantas festinhas, serenatas e galinhadas...
O
livro nos enche de saudades e contentamentos desde as primeiras páginas até às
últimas, passando pelo texto significativo da doutora e professora Raquel
Campos, na orelha do livro, pela relevante análise da contracapa à cargo do
acadêmico Edival Lourenço, e pelo prefácio da poetisa, também acadêmica, Lêda
Selma, que nos indica, com maestria, os compartimentos da saudade.
De
uma dessas gavetas, o escritor, poeta e psicanalista Ítalo Campos, puxa a
história da louca da Avenida Araguaia. Fez-me recordar que, certo dia, saindo
da casa de dona Dunica, dona Iracema estava com a caçula Celiana nos braços,
ainda nos cueiros, quando, de surpresa, Maria Doida investiu contra minha mãe e
atirou uma caneca de querosene. Tivemos que voltar pra dentro da casa da
Dunica, fazer a limpeza necessária e aguardar a louca acalmar-se.
Outro
compartimento que me emocionou foi o resgate que o desembargador, poeta,
escritor e acadêmico Itaney Campos faz da memória do saudoso Filomeno Luiz França,
o seu França, nosso primeiro jornalista e memorialista em Uruaçu.
Como
grande admirador da inteligência e sagacidade desse piauiense, migrante como
meus pais, lembro que, nos meus tempos de criança, ele frequentava bastante nossa
casa. Na minha memória está registrada uma conversa de seu França com tio
Oswaldo Barroso, outro nordestino que migrou para Uruaçu. Num determinado
momento da conversa, relembro como se fosse hoje, seu França advertiu: “esquece
isso, Oswaldo, ‘águas passadas não movem moinho’”.
É
isso. O belo livro dos irmãos Campos nos enche de contentamento, refresca nossa
memória, atiça a curiosidade e nos faz viajar no tempo de uma maneira lírica,
poética, sem perder a ternura e o bom humor, jamais.
Avenida
Araguaia, Rio de Memória, virou livro de cabeceira deste goiano-uruaçuense, com
muito orgulho e paixão. Recomendo aos patrícios e a todos que amam a
literatura.
A
avenida Araguaia foi um rio que passou, mas, felizmente, está agora resgatada
na nossa memória.
De fato, a alma de Uruaçu.
Parabéns Zé Carlos. Ótimo rexto
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