Comemora-se hoje o Dia Internacional da Caridade. Um tema interessante para reflexão principalmente em virtude de tantas mazelas que tomaram conta do mundo. A raiz de tanta incompreensão, injustiças e desrespeito para com o ser humano está, com certeza, na intolerância. Este mal que domina a humanidade em seu terceiro século da Era Cristã.
Caridade e tolerância são irmãs gêmeas. Ambas
são atacadas pelo fanatismo, seja de origem política, social ou religiosa.
Nesse contexto, podemos perceber que religião e nacionalismo são dois temas
complexos e difíceis de serem abordados.
No caso do primeiro, tenho percebido que pode
ajudar, e tem ajudado muito as pessoas a superarem suas dores, até mesmo
propiciando conforto e alento aos mais necessitados. Quando atua no âmbito da
família, nos seus respectivos lares, e nas igrejas, a religião pode e tem feito
o bem. O perigo começa quando avança para temas mais amplos da sociedade e
tenta impor convicções às pessoas e grupos de pessoas. Se a carga de fanatismo
for intensa, os riscos de interferir negativamente é bem maior. Os exemplos ao
longo da história são muitos, desde as Cruzadas e a Santa Inquisição – ações
promovidas pela então poderosa Igreja Católica.
O ponto nevrálgico é
a intolerância. Na sociedade moderna, exemplos estão no fundamentalismo
islâmico e na não-aceitação de alguns cristãos, evangélicos principalmente, com
relação a outras crenças, como o candomblé, o espiritismo e os pais-de-santo.
Onde a intolerância predomina, a capacidade de se fazer o bem, sem olhar a
quem, sofre considerável enfraquecimento.
O Dia Internacional da Caridade foi escolhido para ser comemorado no dia do falecimento de Madre Teresa de Calcutá, em 5 de setembro de 1997, ao 87 anos, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, justamente por mostrar ao mundo exemplos de Caridade e Tolerância.
Vale a pena refletir
por que pessoas decidem dedicar-se plena e integralmente a ajudar o próximo,
sem maiores questionamentos sobre quem é o necessitado, sua origem, sua classe
social? O que teria levado madre Teresa de Calcutá a fazer exclusivamente o
bem, sem olhar a quem?
Alguns desses exemplos tornaram-se
conhecidos mundialmente. Outros ficaram e permanecem no anonimato. Há também
aqueles resgatados pela memória de algum escritor ou de algum dos seus
socorridos.
Um desses exemplos está num episódio
narrado no livro A Trégua, de Primo Levi. Conta ele que, depois de
terem sido salvos pelos soldados russos, alguns dos seres que perambulavam pelo
campo de concentração de Buna-Monowitz foram transferidos para Auschwitz.
Lá ele conheceu uma criança de
aparentemente três anos de idade, que, como não tinha nome, acabou sendo
chamada de Hurbineck. Ele era um nada, um filho da morte, um filho de
Auschwitz. “Estava paralisado dos rins para baixo, e tinha as pernas
atrofiadas, tão adelgaçadas como gravetos”. Não falava palavra e assim
permaneceu por cerca de um mês.
Foi Henek-König, um dos poucos que
não estavam doentes nem convalescentes, quem mais cuidou dele de forma
tranquila e obstinada. “Sentava-se junto à pequena esfinge, imune à autoridade
triste que dela emanava; levava-lhe comida, ajustava-lhe as cobertas, limpava-o
com mãos habilidosas, desprovidas de repugnância; e falava-lhe, naturalmente,
em húngaro, com voz lenta e paciente”. Hurbineck deu seu último suspiro nos
primeiros dias de março de 1945, “liberto mas não redimido”.
Que
razões, humanas ou sobre-humanas, levam uma pessoa que viveu, e ainda vivia os
horrores da guerra e dos campos de concentração, a atitudes espontâneas e
profundas de caridade? Justamente ele, Henek, que, segundo a narrativa do
autor, “guardava instintos pacatamente sanguinários”? Justamente ele que, por
razões de sobrevivência, quando havia seleção no Bloco das crianças, era quem
as escolhia?
Dizem alguns filósofos que a caridade faz mais bem a quem a pratica do que a quem a recebe. Isso provavelmente ocorre quando exercida com desprendimento, sem objetivos outros que não o bem em si mesmo. Sem mesquinharias e sem vontade de aparecer. É um ato que deve vir do coração, do fundo da alma. Um ato de amor.
Madre Teresa de Calcutá fez a seguinte declaração, ao ouvir de uma pessoa que não daria banho em um leproso nem por um milhão de dólares: “Eu também não. Só por amor se pode dar banho em um leproso”.
Henek
provavelmente deve ter tido os mesmos sentimentos ao cuidar do pequeno
desconhecido Hurbineck. O que ele poderia querer em troca por ajudar uma
criança isolada do mundo, em Auschwitz, no final de uma grande e tenebrosa
Guerra Mundial?
A
caridade é um tema interessante. Outro tema intrigante é o da humildade...
Mas aí é outra história...
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