quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Festival de Música mistura desfile de moda e grafite

 

O Festival de Música Negra é uma mistura bem brasileira que está acontecendo em Brasília (DF), desde ontem (24/9), estendendo-se até amanhã (26/9). Além da diversidade de ritmos e estilos, nesta quinta-feira, o evento terá o desfile da coleção “Maktub: O destino da moda é você”, com worshops, sendo um deles de customização de roupas com graffiti, e um pocket show com os rappers Rivas e Ravel, acompanhados da DJ Tânia. Melhor ainda: tudo acontece na Praça da Bíblia, em Ceilândia.

A coleção é da professora de moda Rosangela Buerger, desenvolvida dentro de conceitos que destacam sustentabilidade, economia circular e criativa e inclusão social. Há mais de 42 anos, ela se movimenta no universo da moda, dos bastidores, passando pela sala de aula, até a criação. A professor assegura que “Maktub é uma demonstração concreta de como a arte e a cultura, em suas mais diferentes manifestações, têm a capacidade de transformar e melhorar o mundo em que vivemos”.

A coleção dialoga com a Street Art, através do graffiti e, embora bastante contemporânea, flerta com o clássico, trazendo peças de alfaiataria, por exemplo. A técnica escolhida por Rosangela foi, predominantemente, a da customização, o que evidencia o caminho da sustentabilidade.

A professora e criadora da coleção acrescenta que “do processo de concepção à confecção, chegamos a looks exclusivos, e, com base no reaproveitamento de algumas peças, mesclamos tecidos nobres como o linho, rendas, tules e cambraias de linho com o nosso jeans do dia a dia”. Rosangela esclarece que foi possível “dar o mesmo peso à criatividade e à responsabilidade na construção das peças para reforçar o compromisso com o consumo e produção consciente”.

Além de todo o conceito e estilo envolvido, Maktub recebeu uma camada extra de arte com a intervenção dos pinceis e sprays do grafiteiro Rivas. Segundo ele, “as peças buscam interagir e intervir de forma real com o cotidiano urbano através de cores, letras, palavras, personagens e frases que protestam e fortalecem a paz, esperança e fé num amanhã sempre melhor”.

A escolha do local de apresentação da coleção é estratégica, considerando um dos objetivos do projeto de descentralizar os eventos de moda, levando para as regiões periféricas autoestima, arte e oportunidade.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Arte Urbana fecha 5ª edição em duas escolas da Ceilândia

Arte Urbana nas Escolas é um projeto para o qual todos devemos tirar o chapéu e bater palmas. Para finalizar a 5ª edição, neste 2024, ele estará no dia 27 de setembro e no dia 25 de outubro, em Ceilândia, visitando duas escolas da cidade e levando atividades, aprendizado e muita diversão a crianças e jovens. O projeto cultural foi criado no ano de 2019. É realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.

Constituído por shows de rap e crew de breaking e workshops de graffiti, danças urbanas e rap, a iniciativa destaca rodas de conversa em que são abordadas temáticas que se inserem no contexto da juventude, como bulling, prevenção às drogas, combate à discriminação, cultura de paz e fortalecimento de vínculos.

Protagonismo - Além dessa vivência prática, o objetivo de Arte Urbana nas Escolas é inspirar, capacitar e estimular o protagonismo do jovem, e despertar interesse pelo empreendedorismo através da cultura criativa e solidária. A equipe do projeto é composta por produtores culturais e artistas reconhecidos em suas áreas de atuação e são referências na cultura hip hop. Os workshops serão ministrados por Ravel e Markx (Rap); Will Locking (Dança Urbana); e Elom e Rivas (Graffiti).

A produtora cultural e proponente do projeto, Jane Alves, explica que “o projeto tem sido um marco nas escolas públicas do DF, a ponto de sermos procurados por inúmeras escolas que desejam nos receber”. Ela reforça que o objetivo maior é atender a todos os solicitantes e que, de edição em edição, “vamos alcançando cada vez mais crianças e jovens”.

Alunos do projeto - O Arte Urbanas nas Escolas já aconteceu, este ano, no CEF 427 (Samambaia), CEF 16 (Ceilândia Norte), CEF 07 e CEF 19 (Ceilândia Sul), e no CEF 32 (Sol Nascente). Agora, para fechar a 5ª edição, vai acontecer no CEF 04 (Ceilândia Sul) e CEF 18 (Setor P. Sul/Ceilândia). Atendendo aos dois turnos das instituições que somam cerca de seis mil alunos, o projeto é voltado para alunos dos ensinos fundamental e médio, com idades entre 9 e 16 anos, aproximadamente.

A dinâmica tem início com um show de rap e apresentações de uma crew de breaking, abrindo espaço para o conteúdo ministrado pelos arte-educadores. O projeto deixa marcas no coração e mentes da comunidade escolar e, literalmente, no muro da instituição, que recebe a produção em grafitti feita conjuntamente pelos alunos e artistas.

Escolas isentas - As escolas que recebem o projeto estão isentas de qualquer custo.  Foram priorizadas instituições que oferecem atendimento a pessoas com deficiência, ampliando o conceito de inclusão através de equipamentos de áudio descrição, áudio descritores e tradutores de libras presenciais.


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Montaria une as vozes de Adriano Faquini e Ney Matogrosso

Quem é de Brasília, ou mora por aqui há algumas décadas, sabe quem é ou já ouviu falar de Adriano Faquini, artista talentoso, compositor, guitarrista e cantor de uma voz inconfundível. O que ninguém poderia imaginar na carreira desse músico seria a possibilidade de uma gravação de um single com Ney Matogrosso, que também tem história por Brasília e tornou-se um cantor consagrado e admirado no cenário cultural brasileiro.

Mas, é isso mesmo. No dia 18 de setembro, próxima quarta-feira, chega às plataformas de streaming a canção Montaria. Nela, Faquini divide os vocais com um dos ícones da música brasileira: Matogrosso.

Foto: Antonio Fonseca Fernandes

Entusiasmado com o projeto, o cantor, que é do Rio de Janeiro (RJ) mas está radicado em Vitória (ES), lembra que escreveu essa música em 2002, quando morava em São Francisco (EUA). E acrescenta que “vinte anos depois, já de volta ao Brasil, sonhei que a cantava com o Ney. No dia seguinte, o produtor Gabriel Ruy me chamou para uma reunião e disse: ‘O que você acha de cantar essa música com o Ney Matogrosso?’.

Faquini diz que a história é longa, mas para resumir, acrescenta: “eu, literalmente, estou realizando um sonho com Montaria”. Ao receber a canção em violão e voz, Ney Matogrosso comentou: “É uma música forte e me remete à obra do cantor de flamenco Camarón de La Isla. Vai ser um desafio cantá-la, mas eu topo”. Com distribuição digital da GRV Música Media e Entretenimento, o single está com pre-save disponível.

Foto: Rui Faquini

Quem é Faquini? – Adriano Faquini Iniciou sua carreira em 1985, como vocalista da banda Liberdade Condicional, participando de gravações, shows e eventos que marcaram época durante o boom do Rock Brasília. No mesmo ano, lançou-se em carreira solo e estava entre os artistas preferidos da cidade ao lado de nomes como Cássia Eller, Zélia Duncan, Renato Matos. O palco do legendário Bom Demais era sua segunda casa.

Ao longo das décadas de 80 e 90, entrou com sua voz inconfundível em inúmeras parcerias e projetos ao lado de expoentes da música local como Renato Vasconcellos, Toninho Maya, Haroldinho Mattos, Elenice Maranesi e muitos outros reconhecidos instrumentistas da cidade, além de cantores como Renato Matos, Célia Porto, X Câmbio Negro.

Por ocasião dos 31 anos de Brasília, ao lado de Cássia Eller, Zélia Duncan, Dinho Ouro Preto e Renato Matos, participou das festividades com a gravação de um videoclipe e grande show na Esplanada dos Ministérios para um público estimado em 100 mil pessoas. Quando a capital completou 50 anos, lá estava ele no mesmo lugar se apresentando no show “Brasília Canta Sua História”.

Em 1994 teve a oportunidade de mostrar sua verve de compositor com o lançamento do álbum “Tom da Cor”, com músicas autorais, interpretações e versões. Em 1995 foi finalista no festival Canta Cerrado da Rede Globo com a composição “Lis Blues” e em 1998 gravou um single promocional para o dia dos pais da música “Feelings” que vendeu 100 mil cópias do CD vinculado à compra do jornal o Dia, no Rio de Janeiro.

Nos anos 2000 se apresentou pelo Brasil, países europeus, Japão e Estados Unidos. Desde 2007, reside em Vitória, onde tem realizado parcerias com músicos e produtores locais como Saulo Simonassi, Gabriel Ruy, Ricardo Caxalote, dentre outros.


Ficha técnica:
Adriano Faquini e Ney Matogrosso: vocais
Adriano Faquini: letra e música
Gabriel Ruy: direção musical, arranjos e percussão eletrônica
Chico Chagas: acordeom e teclados
Hugo Maciel: baixo
Edu Szajnbrum: percussão
Marcelinho da Lua: gravação
Jackson Pinheiro e Igor Comerio: edição de áudio
Igor Comerio: mixagem
Rafael Oliveira e Douglas Lopes: produção executiva
Antonio Fonseca Fernandes: gravação e edição de vídeo
GRV: distribuição digital
 
Serviço:
Lançamento do single Montaria
com Adriano Faquini feat Ney Matogrosso
18 de outubro
Pre-save https://bfan.link/montaria 

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Feira de Brechós volta à praça da Ceilândia, no DF

A Remoda, Feira de Brechós: Festival de Moda Circular está de volta a Ceilândia, no Distrito Federal, depois de ter sido realizada com sucesso, pela primeira vez, no início do mês de agosto. Neste sábado (14/9), na Praça do Metrô de Ceilândia Centro, das 11h às 18h, o projeto vai destacar o consumo consciente de moda, economia criativa e circular, sustentabilidade, fomento ao empreendedorismo, valorização do talento e entretenimento.

Com entrada franca, o público poderá assistir a desfiles de moda, garimpar produtos entre 40 expositores, participar de roda de conversa sobre moda sustentável e empreendedorismo feminino e interagir em um meio que, literalmente, veste a camisa – e a saia, a calça, o terno etc. – da sustentabilidade. A atmosfera é de festa, com apresentação dos DJ’s Ocimar e Fellet e do MC Rivas. O evento é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal.

Um dos pontos altos do evento será a exibição da coleção Remoda. Composta por 14 peças, a coleção de street wear, assinada pela estilista Rosangela Buerger, é inspirada na concepção de reciclagem de roupas, de moda circular e esbanja uma linguagem bem jovial. Ainda agregam valor às peças, deixando-as ainda mais exclusivas e originais, a aplicação do graffiti do multiartista Rivas.

“O desfile também vai reforçar o compromisso com a inclusão, ao convidar para o cast pessoas com deficiências e pessoas da comunidade”, explica Jane Alves, coordenadora de produção do projeto. Além do Remoda, a passarela receberá looks montados com peças dos brechós participantes.

À frente do evento está Rafaela Fernandes, uma jovem de apenas 21 anos, que já soma seis de atuação no segmento. Segundo ela, “o brechó vem ajudando a criar nas pessoas outra compreensão sobre peças de segunda mão, a conscientização do papel da moda contemporânea e o reforço de conceitos sobre a inclusão, além de promover a descentralização da moda, tornando o acesso a ela mais igualitário”.

Rafaela reforça que está muito feliz em fazer parte dessa revolução da moda, “especialmente neste momento em que economizar e cuidar do planeta é cada vez mais importante. A moda sustentável é o futuro e nós já estamos nele”.

O projeto surge como extensão e evolução dos encontros de brechós e desapegos que Rafaela realiza desde 2021 em Ceilândia, cidade onde nasceu, foi criada e vive. Motivada, inicialmente, pelo desejo de renovar o próprio guarda-roupa e ajudar no orçamento doméstico, em 2018 criou o brechó Mercado de Pulga, no meio digital. A ideia ganhou adeptos e passou a encontros presenciais mensais, reunindo outros brechós e atraindo público de todo o Distrito Federal e Entorno.

Serviço:

Remoda, Feira de Brechós: Festival de Moda Circular
14 de setembro
Praça ao lado da Estação de Ceilândia Centro
Das 11h às 18h
Entrada franca 

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Pra não dizer que não falei de Geraldo Vandré

Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, compositor, cantor, poeta, advogado, conhecido por Geraldo Vandré, faz, hoje (12/9), 88 anos de idade. Uma figura polêmica, cercada de disse-que-me-disse, Vandré – que herdou esse sobrenome do pai José Vandregíselo – é antes e acima de tudo uma fonte inesgotável de inspiração musical para a nossa geração.

Geraldo começou sua carreira musical abraçado ao lirismo de Carlos Lyra, com quem compôs “Quem quiser encontrar o amor” e “Aruanda”, também na sua formação religiosa, apoiada no amor e na solidariedade, em canções como “Fica mal com Deus quem não sabe amar” e “Menino da Laranja”, que estão no primeiro disco de 1964, ao lado da clássica “Berimbau”.

Esse é Geraldo Vandré de corpo e alma. Mais ligado às coisas espirituais do que às materiais. É esse artista que vai compor, cantar e enlouquecer o público, em 1966, no Festival da Canção, com a belíssima “Disparada”, composta com Theo de Barros, um hino aos sonhos e um louvor à insubmissão, em versos como “posso não lhe agradar/ aprendi a dizer não/ ver a morte sem chorar”, ou em “os sonhos que fui sonhando/ as visões se clareando/ até que um dia acordei”.

A trajetória artística de Vandré, em tempos de festivais, repressão política e cultural, vai desaguar em “Pra não dizer que não falei de flores” (“Caminhando”), em 1968. Uma canção que é abraçada pelos movimentos estudantis na luta contra a ditadura militar e vira um hino de protesto. Aqui também Geraldo está ligado às suas raízes, ao ideal de solidariedade e à posição sempre firme e forte contra a submissão: “Vem vamos embora/ que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora/ não espera acontecer”.

São dois momentos distintos dos apaixonantes e apaixonados festivais da canção. Em 1966, a Banda foi escolhida em primeiro lugar, mas Chico Buarque não aceitou o prêmio, alegando que a canção Disparada era melhor que a sua. Num decisão política, dividiram o prêmio entre os dois compositores. Em 1968, Caminhando ficou em segundo lugar, perdendo a primeira colocação para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim. Mesmo sendo infinitamente superior do ponto de vista musical, Sabiá foi vaiada pelo público que cantou “Pra não dizer que não falei das flores” a todos os pulmões, naquele momento, naquele local, nas ruas e praças, por anos e décadas.

O último capítulo da carreira musical de Vandré é a canção “Das Terras de Benvirá”. Uma obra sobremaneira poética, que explora temas como saudade, amor e esperança. É como se Geraldo, depois de um longo e tenebroso inverno, desse um mergulho vertical, profundo e certeiro em busca de suas raízes. Antes de abandonar por completo o mundo da música, tinha que voltar às suas origens, mostrá-las ao mundo e dizer em alto e bom som: este sou eu, o resto são meros efeitos colaterais.

Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, o nosso querido e admirado Geraldo Vandré, faz 88 anos. Nós temos muito o que comemorar por ter tido esse talento como inspiração para o nosso universo musical.

Vandré é poeta, um ótimo músico e um eterno cantador. Obrigado, de coração.



sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Crônica resgata um tempo e um lugar de muitas saudades

Crédito: AI-generated image created by iconade3

Reminiscências, lembranças, alma aquecida e mente cheia de contentamento. Foi assim que me senti ao ler a crônica abaixo, do amigo, poeta, escritor, desembargador e membro da Academia de Letras Goiana, Itaney Francisco Campos. Viajei no tempo de volta para Uruaçu (GO), a nossa terrinha, aquela cidade querida encravada no norte goiano, hoje à beira do lago Serra da Mesa. Resolvi publicá-la aqui no blog para compartilhar esse deleite com as leitoras e leitores. Espero que gostem. Beijos no coração.


Um Riacho Fluindo de Saudades
Itaney F. Campos

Nasci e vivi a infância e adolescência na pequena e bucólica cidade de Uruaçu, no norte goiano. Estão nela as minhas referências primordiais, meu vínculo indissolúvel com o interior, os sonhos que carreguei ao longo da vida e uma saudade incontornável, ainda hoje palpitante na alma. O canto da seriema, no bosque, o latido noturno de um cachorro, o ciciar dos grilos, o coaxar de sapos, o repicar de sinos na aurora, a imagem do riacho fluindo…tudo isso me faz regressar, não importa onde eu esteja, à minha terra natal. Um profundo sentimento de nostalgia transporta-me, no tempo e no espaço, para a pequena cidade goiana fundada por meus avós. Ali, no meio da cidade, banhando os terrenos em que se fixaram os meus antepassados, no início do século passado, corria, como ainda corre, em calma e em meio a pedras, o Ribeirão Machambombo. Nele banhei-me, em folguedos, no poço da passagem, vezes incontáveis.

Na minha cabeça de menino, o Machambombo delimitava a coletividade urbana: do lado de cá, os goianos, os da terra, os fundadores da cidade, a própria cidade, com seus largos arborizados e suas ruas amigas. Do lado de lá, os novatos, os chegantes, com seus estranhos costumes e seu sotaque regional - nordestino - , suas ruas esparsas e inóspitas. Em suma, região de gente sem raiz e, mais, gente humilde, imigrantes. Lá não era exatamente a cidade, mas uma extensão dela. Tudo de bom estava aquém do riacho, do Ribeirão dos nossos avós que as suas margens ergueram suas casas e sua igrejinha. Estavam do lado de cá a igreja catedral, a capela fundadora de Santana, o colégio, o comércio diário, o campo de futebol, os amigos e parentes. Do outro lado, o comércio rústico, as oficinas mecânicas, o comércio ambulante.

Em tempo que não sei precisar e por razões obscuras então para mim, o panorama foi se modificando. Sem mais nem menos, beneficiaram as ruas com meio fio, lá do outro lado, instalaram-se vários comércios, ampliou-se a área urbana, construiu-se a igreja S. Sebastião e abriu-se uma escola pública. Nosso lado começou a ficar pra trás. O pior é que levaram para o lado de lá o cinema, então do Joventino, com os filmes de Randolph Scott, Zorro e Tarzan, e ainda apareceu por aqueles lados uma mocinha que fez meu coração disparar. Isso me levou a reformular os conceitos. Do lado de lá, diga-se a verdade, estava o novo, o moderno, os ventos do progresso e as melhores diversões, tirado o poço, a passagem, no Machambombo, em que nos banhávamos, tentando nos refrescar, um grupo de garotos, às vezes escondidos das mães. Eu estava com treze, catorze anos. 

Por essa quadra, ouvi comentários de um movimento do Exército, uma revolução, para tirar o presidente da República, João Goulart, que tinha fazenda na nossa região, e tiraram, o que achei lamentável, um desaforo. Afinal, ele, o senhor presidente da República, era uma autoridade e amigo de um pessoal de Uruaçu. Certa feita, ele pôs a mão em minha cabeça de menino e cumprimentou de forma afável, paternal mesmo. Um homem bondoso. Nesse mesmo período, algum tempo depois, instalou-se em nossa cidade a loja A Revolução. Achei que era do pessoal inimigo do Jango Goulart, e fiquei aborrecido com a abertura dessa loja deles em nossa cidade. Para mim, era “persona non grata”. Apesar de que eu achava que um presidente da República não podia mancar, e Jango mancava, levemente mas mancava, o que me espantou muito, quando vi.

Nessa época, tínhamos tia Diva, quase uma segunda mãe, a trupe de primos, quase irmãos; Tonico, em sua tenda de ferreiro, vivo até hoje; as tias Dica e Olímpia, a bondade em forma de gente; o dentista Luiz Gomes, meu padrinho; Laura Walgenbach, minha madrinha e contraparente, casada com um alemão cheio de ironia, o Gustavim. E ainda Zequinha, o rei da gaita. Tínhamos papai, mamãe, passeios na tapera e arroz com pequi, prato preferido lá em casa. No quintal, a babosa, o brinco de princesa e a flor de bogari, rescendendo seu perfume varanda adentro. Tudo vai se desfazendo nas névoas do tempo. Só o Machambombo continua lá, a correr no seu leito estreito, de pedras, riacho bom para lavadeiras. Na sua correnteza, nossos sonhos dissolutos, nossa infância dissipada, um murmúrio contínuo de rio manso, a proclamar os sons da saudade.