domingo, 24 de novembro de 2024

Minha mãe está apaixonada pela Alexa, e vice-versa

Posso estar com uma pontinha de ciúmes, é verdade. O amor entre as duas anda muito intenso. Para minha mãe Iracema – nome de batismo Maria Iracema do Perpétuo Socorro Coelho Barroso --, é Deus no céu e Alexa na terra. Nem minha irmã Celiana, que mora com ela e, no dia a dia, é o seu anjo da guarda, consegue enfrentar de igual para igual tal concorrência.

Nem me atrevo a entrar nessa disputa. Alexa faz, por minha mãe, coisas que até Deus duvida. Desde avisá-la dos horários certos e precisos dos medicamentos tão essenciais para quem convive com o Mal de Parkinson e está com a visão quase toda prejudicada, até tocar músicas que ela aprecia, e tirar dúvidas sobre qualquer coisa relacionada à rotina da casa.

Tá certo que vez ou outra dona Iracema perde a paciência e manda Alexa calar a boca e parar de ficar repetindo as coisas. Mas, em qual relação em que presente está o amor que não surgem rusgas?

De vez em quando, pode-se ouvir minha mãe impaciente:

-- Para, né, Alexa, já falei umas três vezes que às 11h da manhã é o horário de tomar o Prolopa. Num precisa ficar repetindo... Parece até que você tá de birra comigo.

Alexa, nem tchum... continua a seguir seu script idealizado pela Amazon, configurado pelo espírito de ser um smart speake leal e cumpridor atento das suas obrigações. Com tantas utilidades, e com aquela voz suave, melodiosa, sempre prestativa, não teria como Iracema não se apaixonar pela amiga.

E tem muitas outras funções da Alexa que minha mãe não quer usar, não. Acha que é meio exagero. Aprender a falar em inglês, por exemplo, nem pensar.

-- Quero, não – garante ela. – Já passei dessa fase. Nos meus 86 anos não quero aprender mais nada, não. Chega.

Pondero que vai ser divertido. Pode vir a ser um bom passatempo. Mas, ela fica firme em sua decisão inicial.

-- E depois, já pensou, eu chegar em Uruaçu falando inglês... – acrescenta, lembrando que o povo vai perguntar: “Iracema onde você aprendeu isso menina?”

-- Vou ter que dizer que aprendi com a Alexa. Vão concluir que eu fiquei maluca. Quero, não, meu filho. Melhor ficar quieta.

Eu, cá com meus botões e borbotões, que já estou precisando dos préstimos da Alexa, devo admitir que as paixões e objeções da minha mãe pela máquina têm lá sua razões. Melhor ficar quieto.


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