Surpresa maior ocorreu este ano. Na
última segunda-feira, o jornal Folha de
São Paulo publicou reportagem, no caderno Cotidiano, em que registra a revolta de um grupo significativo de
moradores contra o canto do sabiá-laranjeira em suas janelas, que, em vez de
embalar seus sonhos, não os deixa dormir o sono dos justos, o merecido descansar de quem passou o
dia inteiro trabalhando.
Nas comunidades indígenas, quando um
recém-nascido ouve o canto do sabiá é prenúncio de felicidade, vida saudável, sob o manto da paz. Na cidade, há quem pensa exatamente o contrário e deseja
livrar seus filhos desse infortúnio. É interessante lembrar que o crescimento
urbano expulsou os passarinhos para a área rural. Com o desmatamento crescente no campo,
em escala geométrica, eles começaram a voltar para a cidade, onde parques são
criados e árvores plantadas como compensação ambiental. Agora, querem
expulsá-los por esse hábito abominável de cantar próximo aos seus ninhos para
proteger seus filhotes ou buscar o acasalamento.
Não dá pra fazer julgamento moral.
Ninguém é obrigado a gostar e nem mesmo admirar a natureza. Muito menos, a criar
animais em suas casas, quintais e até em apartamentos. O que me assusta é
o nível de "civilização" ao qual chegamos. Não nos tira mais o sono o ronco dos
motores, das buzinas, freadas e batidas na madrugada. O que perturba o cidadão
é o cantar alegre e suave de sua majestade o sabiá.
Um cidadão paulistano chegou a dizer
que ele canta “três acordes e fica o dia inteiro martelando isso. É
insuportável”. Geraldo Vandré fez belas canções com apenas dois acordes – tá certo
que chegou a ser preso, torturado e expulso do país! –, mas, suas músicas
continuam sendo ouvidas e admiradas até hoje. Outro cidadão ponderou que está
sendo obrigado a ouvir quase todas as noites Applause, de Lady Gaga, no som do apartamento vizinho, e não tinha
a felicidade de um sabiá cantando próximo à sua janela.
O mundo é mesmo cheio de injustiças.
Nós estamos felizes porque o sabiá-laranjeira voltou a cantar aqui no quintal
de nossa casa. Tem morador infeliz porque é obrigado a ouvir um canto de
apenas três acordes. Outro reclama porque não tem um passarinho a cantar em sua
janela...
Prefiro ficar com a visão poética
do mundo. Reproduzo abaixo uma poesia que fiz o ano passado sobre o tema.
E postar uma música de João Nogueira, Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte, que resume bem todo esse dilema: Um Ser de Luz,
na belíssima voz de Mariene de Castro.
O cantar do Sabiá
José Carlos Camapum Barroso
Sabiá cantou no quintal,
Depois de um longo
E tenebroso inverno...
Era fim de tarde,
Ou início de manhã?
Não sei... Sei apenas
Que o mundo mudou:
Veio o ar da Primavera,
O gosto seco de chuva...
O vento de setembro
Pôs fim ao de agosto.
Sabiá-laranjeira,
Ave do peito-roxo,
Canto de primeira.
Som de Altamiro
Carrilho na flauta...
Meu sabiá, bandeira,
Brasão infinito de um
Brasil brasileiro.
Sabiá-ponga,
Sabiá-piranga,
Meu Caraxué!
O sabiá-laranja
Cantou um canto
Triste no terreiro?
Barriga-vermelha,
De um canto fino,
Um cantar sovina,
Bem brasileiro.
Sabiá, sabiá
Não me leve a mal...
Vem cantar de novo
Aqui no meu quintal.
Um Ser de Luz
Composição: João Nogueira,
Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte
Voz: Mariene de Castro
Um dia
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Um ser de luz nasceu
Numa cidade do interior
E o menino Deus lhe abençoou
De manto branco ao se batizar
Se transformou num sabiá
Dona dos versos de um trovador
E a rainha do seu lugar
Sua voz então
Ao se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava
Espantava a dor
Com a força do seu cantar
E a rainha do seu lugar
Sua voz então
Ao se espalhar
Corria chão
Cruzava o mar
Levada pelo ar
Onde chegava
Espantava a dor
Com a força do seu cantar
Mas
aconteceu um dia
Foi que o menino Deus chamou
E ela foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
A gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de Vê-la, sabiá
Foi que o menino Deus chamou
E ela foi pra cantar
Para além do luar
Onde moram as estrelas
A gente fica a lembrar
Vendo o céu clarear
Na esperança de Vê-la, sabiá
Sabiá
Que falta faz tua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá
Adeus, meu sabiá, até um dia
Que falta faz tua alegria
Sem você, meu canto agora é só
Melancolia
Canta, meu sabiá, voa, meu sabiá
Adeus, meu sabiá, até um dia
Lindo poema, e viva o sabiá que canta em uma grande árvore próxima a minha varanda, já fiz até texto em homenagem ao seu canto . Mas um poema foi um presente maior . Parabéns meu irmão !
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