domingo, 5 de setembro de 2021

Caridade e tolerância são irmãs gêmeas

 

Comemora-se hoje o Dia Internacional da Caridade. Um tema interessante para reflexão principalmente em virtude de tantas mazelas que tomaram conta do mundo. A raiz de tanta incompreensão, injustiças e desrespeito para com o ser humano está, com certeza, na intolerância. Este mal que domina a humanidade em seu terceiro século da Era Cristã.

Caridade e tolerância são irmãs gêmeas. Ambas são atacadas pelo fanatismo, seja de origem política, social ou religiosa. Nesse contexto, podemos perceber que religião e nacionalismo são dois temas complexos e difíceis de serem abordados.

No caso do primeiro, tenho percebido que pode ajudar, e tem ajudado muito as pessoas a superarem suas dores, até mesmo propiciando conforto e alento aos mais necessitados. Quando atua no âmbito da família, nos seus respectivos lares, e nas igrejas, a religião pode e tem feito o bem. O perigo começa quando avança para temas mais amplos da sociedade e tenta impor convicções às pessoas e grupos de pessoas. Se a carga de fanatismo for intensa, os riscos de interferir negativamente é bem maior. Os exemplos ao longo da história são muitos, desde as Cruzadas e a Santa Inquisição – ações promovidas pela então poderosa Igreja Católica.

O ponto nevrálgico é a intolerância. Na sociedade moderna, exemplos estão no fundamentalismo islâmico e na não-aceitação de alguns cristãos, evangélicos principalmente, com relação a outras crenças, como o candomblé, o espiritismo e os pais-de-santo. Onde a intolerância predomina, a capacidade de se fazer o bem, sem olhar a quem, sofre considerável enfraquecimento.

O Dia Internacional da Caridade foi escolhido para ser comemorado no dia do falecimento de Madre Teresa de Calcutá, em 5 de setembro de 1997, ao 87 anos, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, justamente por mostrar ao mundo exemplos de Caridade e Tolerância.

Vale a pena refletir por que pessoas decidem dedicar-se plena e integralmente a ajudar o próximo, sem maiores questionamentos sobre quem é o necessitado, sua origem, sua classe social? O que teria levado madre Teresa de Calcutá a fazer exclusivamente o bem, sem olhar a quem?

Alguns desses exemplos tornaram-se conhecidos mundialmente. Outros ficaram e permanecem no anonimato. Há também aqueles resgatados pela memória de algum escritor ou de algum dos seus socorridos.

Um desses exemplos está num episódio narrado no livro A Trégua, de Primo Levi. Conta ele que, depois de terem sido salvos pelos soldados russos, alguns dos seres que perambulavam pelo campo de concentração de Buna-Monowitz foram transferidos para Auschwitz.

Lá ele conheceu uma criança de aparentemente três anos de idade, que, como não tinha nome, acabou sendo chamada de Hurbineck. Ele era um nada, um filho da morte, um filho de Auschwitz. “Estava paralisado dos rins para baixo, e tinha as pernas atrofiadas, tão adelgaçadas como gravetos”. Não falava palavra e assim permaneceu por cerca de um mês.

Foi Henek-König, um dos poucos que não estavam doentes nem convalescentes, quem mais cuidou dele de forma tranquila e obstinada. “Sentava-se junto à pequena esfinge, imune à autoridade triste que dela emanava; levava-lhe comida, ajustava-lhe as cobertas, limpava-o com mãos habilidosas, desprovidas de repugnância; e falava-lhe, naturalmente, em húngaro, com voz lenta e paciente”. Hurbineck deu seu último suspiro nos primeiros dias de março de 1945, “liberto mas não redimido”.

Que razões, humanas ou sobre-humanas, levam uma pessoa que viveu, e ainda vivia os horrores da guerra e dos campos de concentração, a atitudes espontâneas e profundas de caridade? Justamente ele, Henek, que, segundo a narrativa do autor, “guardava instintos pacatamente sanguinários”? Justamente ele que, por razões de sobrevivência, quando havia seleção no Bloco das crianças, era quem as escolhia?


Dizem alguns filósofos que a caridade faz mais bem a quem a pratica do que a quem a recebe. Isso provavelmente ocorre quando exercida com desprendimento, sem objetivos outros que não o bem em si mesmo. Sem mesquinharias e sem vontade de aparecer. É um ato que deve vir do coração, do fundo da alma. Um ato de amor.

Madre Teresa de Calcutá fez a seguinte declaração, ao ouvir de uma pessoa que não daria banho em um leproso nem por um milhão de dólares: “Eu também não. Só por amor se pode dar banho em um leproso”.

Henek provavelmente deve ter tido os mesmos sentimentos ao cuidar do pequeno desconhecido Hurbineck. O que ele poderia querer em troca por ajudar uma criança isolada do mundo, em Auschwitz, no final de uma grande e tenebrosa Guerra Mundial?

A caridade é um tema interessante. Outro tema intrigante é o da humildade...

Mas aí é outra história...

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