sábado, 28 de agosto de 2021

Avenida Araguaia resgata memória e nos faz viajar no tempo

Toda cidade tem uma alma. A Avenida Araguaia é a alma da nossa pequena e aconchegante Uruaçu, encravada no meio-norte goiano, no centro do Centro-Oeste e do Brasil, do mundo e, quiçá, do Universo (faltam alguns cálculos para se confirmar isso com maior segurança). Não há uruaçuense que não tenha um pezinho naquela avenida, um pensamento, uma memória, enfim, algo pra contar ou relembrar daqueles bons tempos.

Os irmãos Campos, Ítalo e Itaney, uruaçuenses da gema, filhos da família fundadora da cidade, lançaram neste mês de agosto um livro que reúne, em forma de contos e crônicas, memórias relacionadas à Avenida Araguaia, onde viveram a infância e boa parte da adolescência.

Avenida Araguaia, Rio de Memória, nos faz viajar por um tempo de inocências e ingenuidades que nos leva a pensar, não sem razões, que éramos felizes e que tempos iguais não existiram e jamais existirão.

Minha memória dessa rua está associada em primeiro lugar à casa da Dona Dunica, mãe de Santaninha. Ela foi uma verdadeira mãe para minha mãe Iracema, órfã de mãe aos nove anos de idade. Era pra casa dela que íamos, quando crianças, passar o dia inteiro, provavelmente domingos e feriados, e “banhar na grota da Dunica”, onde existiam um pequeno riacho e uma mina d’água.

Outras referências são os campos de futebol de várzea que existiam por ali. Depois de uma boa pelada, nada melhor do que um mergulho pelado nas águas ainda límpidas do córrego Machombombo. Quantas histórias e memórias andaram e ficaram por lá, pelos bananais e adjacências... Tantas festinhas, serenatas e galinhadas...

O livro nos enche de saudades e contentamentos desde as primeiras páginas até às últimas, passando pelo texto significativo da doutora e professora Raquel Campos, na orelha do livro, pela relevante análise da contracapa à cargo do acadêmico Edival Lourenço, e pelo prefácio da poetisa, também acadêmica, Lêda Selma, que nos indica, com maestria, os compartimentos da saudade.

De uma dessas gavetas, o escritor, poeta e psicanalista Ítalo Campos, puxa a história da louca da Avenida Araguaia. Fez-me recordar que, certo dia, saindo da casa de dona Dunica, dona Iracema estava com a caçula Celiana nos braços, ainda nos cueiros, quando, de surpresa, Maria Doida investiu contra minha mãe e atirou uma caneca de querosene. Tivemos que voltar pra dentro da casa da Dunica, fazer a limpeza necessária e aguardar a louca acalmar-se.

Outro compartimento que me emocionou foi o resgate que o desembargador, poeta, escritor e acadêmico Itaney Campos faz da memória do saudoso Filomeno Luiz França, o seu França, nosso primeiro jornalista e memorialista em Uruaçu.

Como grande admirador da inteligência e sagacidade desse piauiense, migrante como meus pais, lembro que, nos meus tempos de criança, ele frequentava bastante nossa casa. Na minha memória está registrada uma conversa de seu França com tio Oswaldo Barroso, outro nordestino que migrou para Uruaçu. Num determinado momento da conversa, relembro como se fosse hoje, seu França advertiu: “esquece isso, Oswaldo, ‘águas passadas não movem moinho’”.

É isso. O belo livro dos irmãos Campos nos enche de contentamento, refresca nossa memória, atiça a curiosidade e nos faz viajar no tempo de uma maneira lírica, poética, sem perder a ternura e o bom humor, jamais.

Avenida Araguaia, Rio de Memória, virou livro de cabeceira deste goiano-uruaçuense, com muito orgulho e paixão. Recomendo aos patrícios e a todos que amam a literatura.

A avenida Araguaia foi um rio que passou, mas, felizmente, está agora resgatada na nossa memória.

De fato, a alma de Uruaçu.

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