sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Gal Costa leva uma parte da alegria dos brasileiros

Enquanto estava começando o velório de Gal Costa, em São Paulo, hoje (11/11), recebo pelo zap um texto do jornalista, escritor e poeta Irnobel Maranhão Viegas. Como todos os brasileiros, amantes da cultura, das artes e particularmente da música, o amigo lamenta perda tão irreparável.

A morte de Gal Costa mexeu com nossos nervos, tocou fundo na alma sensível dos apaixonados pela beleza e grandeza do mundo das artes. O Brasil inteiro chorou, ficamos comovidos e imbuídos de um sentimento avassalador de perda, como se tivéssemos perdido alguém da família. O texto abaixo fala também de outras perdas nessa nossa vida tão passageira e fugaz.

Sobre Maranhão, já escrevi aqui no blog. Também já publiquei outros textos de sua autoria, todos maravilhosos. O amigo foi o maior responsável pelo surgimento do ZecaBlog. Leiam com atenção. Ajuda a manter viva a memória de uma artista tão genial e, ao mesmo tempo, nos conforta de perdas irreparáveis.


Cinzas sem carnaval

Maranhão Viegas

A quarta-feira se encaminhava para o fim da manhã quando chegou a notícia da morte de Gal. A trilha sonora do dia perdeu o jeito. Impacto no peito. Gal, não... Agora, não... Por favor.

E aí o pensamento viaja no tempo. Na ânsia de não perder nada. No afã de guardar tudo. Tudo o que for possível. De onde ela veio? Da Bahia. Os anos 1960 ainda nem tinham terminado e ela já cantarolava João Gilberto e Caymmi. Reza a lenda que, à primeira audição, João sentenciou: É a melhor cantora do Brasil. A lenda caminhou e tornou Caetano o autor da frase. Se foi dita ou não, pouco importa. Importa mesmo o que Gal era. E continuará sendo pela eternidade.

Fa-tal

Quando eles – Gil e Caetano -  tiveram que ir, minha gente, empurrados pela ditadura, foi como se houvesse um ponto e vírgula no Tropicalismo. Não um ponto final. Porque quem ficou por aqui foi a Gal. E ela gravou coisas que não podiam ser gravadas. E lançou discos que só puderam ser vendidos envoltos em plástico preto. Porque na capa estava exposta a essência da liberdade, em forma de corpo de mulher. Ventre exuberante, peito à mostra. Mas não era isso a razão do susto. O que valia mesmo estava lá dentro. Além do que os olhos podiam ver. Impresso em acetato. Gravado com voz precisa. Era aos ouvidos que aquilo interessava. 

Gal emprestava a voz à contracultura. Jards Macalé, Wally Salomão, Torquato Neto. Seus timbres agudos desafiavam a guitarra. Seus gritos passaram sem restrições pelos censores, triscando a harmonia dodecafônica (ou a ausência dela) e inaugurando a beleza sonora do desassossego. Foi pela voz de Gal que soubemos, mais explicitamente, a dimensão da tristeza e da solidão que Caetano viveu, em Londres. London London, na gravação primeira e mais primorosa que a música poderia ter, também passou incólume pela censura. João Marcelo Bôscoli, produtor musical dos mais respeitados no país e filho de Elis, diz que a música passou porque os censores não falavam inglês. Pode ser. E ainda bem que passou. Na verdade, Gal a eternizou.

O fato é que ela não deixou que o ponto final fosse dado ao Tropicalismo. Movimento musical que surpreendeu os brasileiros. Ela encarnou a rebeldia como ninguém, pelas roupas que vestia ou que não. Pelos cabelos. Pelo sorriso largo. E pela voz inesquecível. Gal deu a vitória, o vigor, a visibilidade que o Tropicalismo precisava ter. A todo vapor, deu tempero ao Brasil insosso daquele momento. Seu nome é Gal. Gal Maria da Graça Penna Burgos Costa. Filha de dona Mariah Costa Penna. Que, de onde quer que esteja, deve estar sorrindo orgulhosa. Aquelas músicas clássicas que fez chegar ao ouvido da menina, quando ainda estava na barriga, de fato, fizeram sentido.

Quarta sem graça

Já estávamos tristes por perder Maria da Graça. E aí o tempo se fechou sobre o Sertão. Rolando Boldrin saiu de cena. Levou sua viola, aquela mesmo que falou sempre alto no seu peito humano, para dedilhar em outras plagas. Vá com Deus, e espalhe alegria ali também, por favor, Sr. Brasil.

Ravi com Pepita, em álbum da família

Para Ravi

Quando a gente perde alguém de quem se gosta muito a dor é maiúscula. Mas a gente sempre dá um jeito de transformar essa dor. De dar a ela o tamanho suportável. Quando esse amigo-irmão que se foi é um cachorro, a gente sente falta da companhia dele, das brincadeiras, dos passeios, dos olhares cúmplices e silenciosos.

Tem hora na vida que parece que só aqueles bichinhos nos entendem.

Ontem, a Pepita, cachorro que o Ravi definiu que seria sua irmã de alma, também deixou esse plano. Pode chorar um pouquinho, Ravi. Não há feiura no choro. Chorar nossas perdas alivia a nossa alma, esvazia os olhos transbordantes e mostra o valor de uma ligação amorosa.

Mas olha, depois do choro, seque o rosto e não esqueça a alegria da Pepita. Ela vai gostar de saber que você vai seguir sendo sua companhia. Que você vai crescer guardando em um relicário a amizade que construíram enquanto ela esteve por aqui. Aliás, ela não vai esquecer o carinho que você lhe dedicou, sempre que ela precisou. E como precisou...



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