quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Som do Velho Realejo nos faz viajar no tempo

 

Eu vi um realejo a tocar. Como diz a música Velho Realejo de Custódio Mesquita e Sadi Cabral. Foi lá pelos anos de 1960, em frente à casa de tia Maria Camapum e tio Oswaldo Barroso de Souza, em Anápolis, Goiás. Cidade onde fui nascer e aonde íamos muito na nossa infância.

Esse momento mágico nunca saiu da minha memória. Meus sentidos sempre foram bastante voltados para a música. E ver e ouvir aquele senhor do outro lado da rua, a manivelar um caixinha que emitia sonoridade tão bela e distinta, foi um prazer inesquecível. Agasalhou a curiosidade aguçada de criança.

Então, o realejo passou e passa até hoje como num sonho a tocar seus acordes melodiosos, arrastados, como se nos puxassem para outro tempo e lugar, sempre distantes.

Fico a imaginar que, quando o realejo afastou-se daquela rua, deixou aquele bairro, mudou de cidade ou trocou essa existência por outra, tudo deve ter ficado triste e deserto. E eu, distante, fui poupado dessa ausência, desse apagamento de um página tão suave e delicada da nossa história cultural.

Anápolis, Goiás, devia ser assim nos anos 1960

O realejo teria surgido na Europa há mais de 200 anos. Chegou ao Brasil, onde nunca foi fabricado, no início do século passado. No interior de São Paulo e em alguns locais do país, ainda existem raros exemplares, que são levados como atração a eventos, festas e feiras.

O extraordinário poeta Mario Quintana (1906-1994), em seu livro Canções, de 1946, tem um poema que começa justamente falando do tema aqui tratado: "O outono toca realejo/ No pátio da minha vida./Velha canção, sempre a esma,/Sob a vidraça descida". Fico a me ver da janela de tia Maria a contemplar tão belo e inesquecível espetáculo.

E o escritor João do Rio (1881-1921), numa crônica sobre músicos ambulantes, cita o caso de um cidadão que compra um realejo com bonecos mecânicos e, mediante certos truques, consegue juntar uma boa grana. Estendendo-se sobre o assunto, João observa que há realejos que sustentam numerosas famílias, realejos escravizadores, realejos solteiros e malandros e "realejos virgens prontos para a fuga".

De minha parte deixo esses versos abaixo, o vídeo com a música Velho Realejo, na voz incrível de Nelson Gonçalves e o violão inesquecível do saudoso Raphael Rabello. É tudo memória de um tempo que não volta mais...

 HAICAI

 
Realejo toca
Fundo na alma serena
Da criança pequena
 
José Carlos Camapum Barroso

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