quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Matou o gari e foi para a academia

Cristão, marido, pai e patriota (Christian, husband, father & patriot). Esse é o perfil, postado em inglês nas redes sociais do empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, 47 anos, preso em flagrante pela morte do gari Laudemir de Souza Fernandes, 46 anos. O homem de Deus atirou no homem da rua, no bairro Vista Alegre, na cidade de Belo Horizonte. Foi preso em flagrante, poucas horas depois, enquanto cuidava do próprio corpo e relaxava a mente em uma academia.

O veículo de coleta de resíduos “atrapalhava o trânsito”, e estava sendo dirigido por uma mulher da rua, a gari Eledias Aparecida Rodrigues, 42 anos, que teve a ousadia de encostar o caminhão para que Renê passasse com seu possante e moderno BYD –  em inglês Build Your Dreams, melhor dizendo, em português, Construa Seus Sonhos.

Eledias e seus companheiros de trabalho estavam a dificultar que o homem cristão e patriota, pai e esposo, passasse folgada e confortavelmente pela rua em busca da construção dos seus sonhos.

Para a família de Laudemir, restou apenas o pesadelo, expresso em alto e bom som, em frases banhadas de lágrimas, pela esposa Liliane França da Silva, durante o velório na manhã desta terça-feira (13/8): “queremos justiça!”. Laudemir era descrito como um pai de família grandioso, um trabalhador honesto e será lembrado por ser uma pessoa alegre e de coração gigante.

Laudemir tinha pressa. Cuidava da família e iria receber naquele dia a visita do Conselho Tutelar. Contou aos colegas que tinha conseguido, recentemente, a guarda de sua filha.

Renê tinha pressa. Cuidava com zelo do carro e do corpo. Restos de lixo, naquela rua estreita, tomada por carros inferiores, poderiam atingir o veículo dos sonhos e manchá-lo para sempre. Não podia perder horário na academia onde malhava regularmente e conseguia manter um corpo atlético e admirado pelos entes queridos.

 “Vai matar a gente trabalhando?”, teria perguntado um dos colegas de trabalho de Laudemir diante das ameaças “de atirar na sua cara”, feitas por Renê. A resposta do agressor veio por meio de uma bala certeira e mortal. O gari foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Morreu no hospital, provavelmente no mesmo momento em que o assassino cuidava do corpo e relaxava a mente, ambos cansados da rotina tão estressante da cidade grande, poluída de garis por todos os lados.

Laudemir não vai poder dar a sua filha a guarda conquistada com tanto amor e carinho. Não conseguiu chegar em casa mais cedo. Quando chegou ao hospital já era tarde demais. 

13 comentários:

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  2. Triste ver o que está acontecendo.A vida sendo trocada por minutos de beleza. Falta de empatia, de amor ao próximo.

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  3. Um se impondo nesse mundo tentando manter sua vida e a dos seus, o outro validado pelas aparências que o mundo, em seus termos, valida.
    Um foi pai, filho de Cristo (aquele que se revoltou contra as desigualdades) e patriota ao ponto de tirar da limpeza das ruas seu ganha pão.
    O outro é um assassino

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    1. Belas palavras, Lucélia. Ajuda a gente a tentar entender esse cenário muito doido. Obrigado pela participação aqui no blog.

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  4. Perfeita análise do ocorrido, José Carlos. 👏👏👏

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  5. Muito triste!
    Infelizmente, esses brucutus se acham acima da Lei, são todos iguais, não escapa um! Todos se diz cristão e cidadão de bem!
    Deus me livre desses cidadãos de bem!

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    1. Isso sempre existiu. Mas, ganhou um reforço extraordinário no Brasil com a ascensão da extrema-direita bolsonarista. A maior tragédia política deste século.

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  6. Belo texto Zé Carlos e excelente comentários parabéns

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