quarta-feira, 23 de julho de 2014

Morte vence Ariano Suassuna mas não leva seu legado



            Um era demais. Dois, um tormento. Três é de enlouquecer qualquer cidadão. Três escritores de talento e de vital importância para a cultura brasileira resolveram nos deixar no curto espaço de menos de uma semana. O primeiro foi João Ubaldo Ribeiro. Depois, Rubem Alves. E agora Ariano Suassuna. A Academia de Letras do céu está mais rica, mas nós, pobre mortais aqui da terra, ficamos mais acanhados e debilitados em nossa capacidade de ver o mundo de forma crítica e sensível.
            Ariano Suassuna, que nos deu tantas alegrias, não pode, e nem deve, nos causar agora qualquer forma de tristeza. Primeiro, porque está escrito nas estrelas que ele tem lugar garantido e reservado no céu, ao lado de um Deus brasileiro, negro, complacente, altivo e justo – como no Auto da Compadecida. Mas também porque ele cumpriu por inteiro e por extenso sua missão aqui na terra, de enxergar o mundo com sabedoria, consagrando e notabilizando o brasileiro típico, oriundo do povo e das mais humildes origens, em um ser distinto e universal.
            Ariano, por intermédio da sua arte, decretou o fim da mediocridade, da falta de talento e do desprezo pela cultura popular, seja por meio da literatura, no teatro, na música ou nas artes plásticas. Esse nordestino, nascido em 1927, em Nossa Senhora das Neves, que depois se tornaria João Pessoa, passaria os seus 87 anos de vida a desafiar a morte, brincando com ela, fazendo graça e troça.
           

Disse certa vez que "no Sertão do Nordeste a morte tem nome, chama-se Caetana. Se ela está pensando em me levar, não pense que vai ser fácil, não. Ela vai suar! Se vier com essas besteirinhas de infarto e aneurisma no cérebro, isso eu tiro de letra". Tirou de letra um infarto do miocárdio, no ano passado, e um aneurisma, poucos dias depois. Mas não resistiu ao AVC do tipo hemorrágico, que o acometeu na noite da última segunda-feira. Seria fatal para esse homem forte e guerreiro, que veio a falecer às 17h15 desta quarta-feira.
            Só nos resta erguer as mãos para os céus e pedir a Deus que lhe dê paz e descanso eterno. Tudo isso ainda será pouco diante de tudo aquilo que ele fez e deixou pra todos nós, pobres mortais, nordestinos, brasileiros... Só nos resta escrever esse poema na imensa lápide que encabeçará seu túmulo, e depois ouvir uma bela música.

Lápide
Ariano Suassuna

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!


Um comentário:

  1. Amigo Carlão, sempre sentimos um grande pesar quando um de nossos escritores produtivos nos deixam. Ficamos lamentando se acaso surgirão outros iguais. Ariano nos deixa um grande legado cultural, filosófico e diria até científico. Pois a essência de sua principal obra atingirá os brasileiros como o efeito de uma explosão estelar: matéria, energia (sob a forma de ondas em expansão). E, quiçá, a permanente lembrança, de dois de seus personagens João Grilo e Chicó em todos nós brasileiros, como mestres cósmicos visando nos tornar um povo sensível, alegre, pacífico e exemplo para o resto do planeta. Apesar de todas as agruras que somos, volta e meia, acometidos por falcatruas de falsos líderes políticos, ganância de alguns gestores e injustiças de nossos tribunais.

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