O Brasil valoriza pouco,
ou até mesmo, muitas vezes, simplesmente ignora ou desconhece artistas
talentosos, em todos os ramos da arte, inclusive no campo da música. Quando o
artista resolve fazer, por algum motivo, carreira no exterior, as chances de
que seu trabalho seja ignorado, ou tenha pouco reconhecimento em solo pátrio,
aumenta sobremaneira. Um desses exemplos mais gritante é o de Moacir Santos,
multi-instrumentista, compositor e arranjador de invejável talento e
extraordinária criatividade.
A obra desse brasileiro
de Flores do Pajeú, no sertão pernambucano, felizmente, será amplamente
revista, analisada e divulgada neste mês de agosto. A musicista e pesquisadora
Andrea Ernest Dias está lançando o livro com dados biográficos Moacir Santos – Ou os Caminhos de Um Músico
Brasileiro. No vácuo dessa bela iniciativa, um CD que receberá o título de Muacy, nome de batismo do músico, e que
trará canções inéditas descobertas pela cuidadosa garimpagem de Andrea. A
terceira frente já está em andamento: um festival de música dedicado à obra do
autor, que começou quarta-feira passada e vai até a noite deste sábado, no
Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
Moacir Santos, ou
simplesmente Muacy, é um músico de mão cheia. Com apenas 9 anos de idade, já
tocava trombone, trompete, clarinete, saxofone, percussão, violão, banjo, e
bandolim. Aos 13, já recebia salário como baterista do cine São José. Antes de
completar 30 anos, dava aula pra ninguém menos que João Donato, Carlos Lyra,
Baden Powell, Roberto Menescal e Dori Caymmi. Estudou harmonia, contraponto,
fuga e composição com vários maestros, entre eles, Guerra Peixe e Cláudio
Santoro. Foi aluno, e depois assistente, do maestro Hans-Joachim Koellreutter,
discípulo de Arnold Shoenberg – um dos criadores do dodecafonismo e um dos mais
cultuados professores de harmonia da música erudita.
O pesquisador Zuza Homem
de Mello, em um artigo publicado no livro Música
com Z, escreveu que “na obra do maestro, o primitivo encontra o futuro; o
ontem, o amanhã”. Suas composições partem de princípios melódicos simples, desenvolvem-se,
tornam-se encorpadas e viram músicas maravilhosas, enriquecidas pelas
influências rítmicas africanas que chegaram ao Brasil.
Moacir Santos é o músico
que Vinícius de Moraes reverenciou no histórico Samba da Bênção, composto com Baden, ao dizer “Moacir Santos/ tu
que não és um só, és tantos/ como o meu Brasil de todos os santos”. Com o “poetinha”,
fez a canção Se Você Disser Que Sim. E
com Mário Teles, deixou a bela e bastante gravada Nanã.
Suas composições são diferenciadas
pela musicalidade, pelo ritmo e também pelos títulos que recebem. O primeiro
disco que lançou recebeu o nome curioso de Coisa – e cada faixa vai de Coisa nº 1 a Coisa nº 10. Algumas delas receberam subtítulo: a de nº 7 (Quem é Que Não Chora), a de número 8 (Navegação) e a número 5 (Nanã). Também compôs e arranjou Maracatucute, que no vídeo abaixo
interpreta com a Banda Savana.
Os
brasileiros precisam conhecer mais e melhor o que tem de bom no mundo musical. O
povo brasileiro precisa – principalmente os jovens – libertar-se do ranço de
conhecer apenas o que está na moda e faz sucesso. Não conhecer Moacir Santos é
um defeito inaceitável, que precisa ser superado. Quem já o ouviu, mesmo que
pouco, certamente, já deve ter pensado um dia como o compositor gaúcho
Cristiano Figueiró: “Apesar de não conhecer, parece que eu sempre ouvi essa
música”.
Só
pra concluir, porque já escrevi demais, Wynton Marsalis, um dos maiores músicos
da rica e bela música americana, quer incluir no repertório da Orquestra do Lincoln
Center, em Nova Iorque, músicas do repertório de Moacir Santos – o brasileiro Muacy
do sertão pernambucano, tão genial e tão desconhecido pelo seu próprio povo.
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