Hoje é Dia da Criança. Momento para refletir um pouco sobre o
universo infantil. Os brinquedos de criança, por exemplo, não são apenas meros
passatempos. Fazem parte também da nossa cultura, tanto que ficam arraigados
em nossas memórias. São reminiscências que nos lembram de épocas, fatos
passageiros e mesmo situações marcantes que estão associadas às nossas
histórias. E isso não apenas no Brasil, nem tão pouco somente no interior, mas
também nos grandes centros urbanos, cercados pela modernização, e nos países
que alcançaram alto grau de desenvolvimento tecnológico.
O mundo de hoje está assentado na tecnologia, o que tirou as
crianças dos brinquedos de rua, tipo peão, bolinhas de gude, soltar pipas,
finca. Sobraram, talvez, as peladas de rua, skates, andar de bicicleta. Meus
filhos viveram essa transição, com a chegada do computador e dos vídeos-games; inicialmente, bem simplesinhos e depois bastante sofisticados. Ramiro
nasceu em 1983 e o Jordano, em 1989. Ainda brincaram de bolinhas de gude, as quais
o Jojô dizia que eram de “vlido”.
Já a minha memória dos brinquedos está fortemente associada a
pessoas e às estações do tempo. Jogar bola era prazeroso sob o sol quente
daquele interior goiano, ou mesmo debaixo de um toró daqueles que mal se
conseguia enxergar a bola. Mas, rodar pião, que era um brinquedo maravilhoso,
está associado ao tempo seco e quente. Já a finca – que chamávamos de triângulo
por causa das casinhas que eram desenhadas com essa forma geométrica – só podia
ser praticada no período das chuvas.
Meus brinquedos também estão associados de forma carinhosa a
Antônio Seabra – um cidadão que frequentava a nossa casa, executava pequenos
serviços e de certa forma fazia parte da família. Ele construía bilboquês, que
a gente chamava de biloquês, e outros brinquedos. Arrasou quando
construiu uma mesinha de sinuca, em torno da qual passávamos horas e mais horas
nos divertindo.
Buscar caju nas serras e pequi no mato era uma atividade
plenamente associada à determinada época do ano. Chegávamos a chamar as
primeiras chuvas de “chuva do caju”. Tomar banho nos córregos e nos rios só era
possível e permitido em determinados períodos em que os riscos eram menores.
De noite, as brincadeiras enchiam as ruas e geralmente estavam
associadas ao folclore brasileiro e português, com cantigas de roda e outras
danças. Boa hora para se gastar bastante energia com o Pique de Lata,
Cadeirinha Salve e o Pique Esconde. Descer calçada abaixo em carrinho de rolimã
era adrenalina pura. Em Uruaçu, Goiás, descer a avenida Tocantins de bicicleta,
serpenteando os postes de energia elétrica, dava um frio bom na barriga.
Tinham alguns presentes que eram
aguardados ansiosamente, nas festas de aniversário e no Natal: chuteiras (vejam
a cara do garotão na foto), bola de cobertão, revólver de espoleta e
depois, bicicleta. À medida que íamos crescendo, no entanto, as brincadeiras
começavam a perder a pureza e a inocência, que ficavam depositadas lá na arte
de brincar de cozinhadinho com as meninas...
Comecei a lembrar de tudo isso depois
que vi um belo vídeo do grupo português Deolinda, sobre o qual já escrevi
no blog (para ler ou reler clique aqui). Outro vídeo maravilhoso sobre o tema é o da canção Bola de Gude, Bola de Meia, de Fernando Brant e Milton Nascimento. Lembrei também da canção de João Bosco e de que nossos brinquedos não tinham
correlações com o papel machê. Nem tão pouco tínhamos despertado nossas
consciências para questões ecológicas. O politicamente correto ainda não havia
entrado em pauta – até porque as agressões ao meio físico, se e quando elas
existiam, eram realmente infantis e facilmente absorvidas pelo meio ambiente,
até então, preservado.
Assim, de lá para cá, passaram-se
alguns anos. É bom olhar pelo retrovisor e perceber que as nossas brincadeiras
infantis estavam bem associadas ao universo cultural. Não só no Brasil. Também
lá em Portugal, nossa origem. No velho e no novo mundo, ser criança sempre foi
cultura.
Bom dia às crianças da criança que há
em todos nós!
Ser criança
José Carlos Camapum Barroso
Há em mim uma criança
Que teima em existir,
Encher de esperança
Um coração frágil...
Quer abrir meus olhos
Fechados por anos no servir;
Erguer minha cabeça
Abaixada pelo tempo,
Virada pelo vento ,
Tempestade do existir.
Quer a mente cheia
De sonhos e ilusões,
Distante de tensões,
Em paz com o porvir.
Traz uma voz suave,
Sussurra no ouvido
E então me acalma.
Uma criança rebelde,
Assim, é a própria paz,
Sabe resgatar a alma
Trazer de volta sonhos...
Tudo que perdi.
Tudo que perdi.
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