Lúcifer saiu pra pescar novas almas por volta de dez
horas da manhã. O sol ainda estava ameno, mas, no ar seco e de calmaria,
respirava-se a certeza – mais uma! – de que o dia seria abrasador, bem em conta.
Era agosto, sexta-feira 13, e o bairro escolhido foi o Altos da Glória, na
região norte de Cuiabá, Mato Grosso. Altos da Glória... satanás adorava esse nome...
Desafiador.
Pensou, inicialmente, em fazer um tour pelo
Lago Norte, em Brasília, mas foi dissuadido por seu assessor de imprensa sob o
argumento de que “aquela região já é nossa, temos que buscar eleitorado novo”.
Aquiesceu aos argumentos do dito-cujo, sujeito mau, feio, mas, muito inteligente.
E era o cara que fazia pesquisa de opinião pública pro regime do inferno desde
que acenderem-se as primeiras brasas por aquelas bandas. Além do mais, pensou,
acariciando os botões vermelhos da capa preta, aquele bairro tem muita
autoridade, jornalistas, músicos e a maioria já chegou à terceira idade, já estão
na hora de vir mesmo...
Belzebu, que disputa com ele o poder há milênios,
ficou rezando, ou melhor, desejando prazerosamente para que a escolha fosse a
pior possível. Quanto pior, melhor!
Indivíduo experiente, Lúcifer, decidiu seguir os
conselhos do dito-cujo, também conhecido na região, por beiçudo. Afinal, Cuiabá
bate o recorde de calor seguidamente há anos. Clima seco, incêndio por todos os
lados, melhor que isso só uma piscina de larvas de vulcão, mas, já não as fazem
como antigamente...
O primeiro voo-caça, rasante, inspirado no
morcego Batman, aquele puxa-saco que vive pendurado nos dentes do Tristão, foi
decepcionante. Uma mocinha, jovem e faceira, estava usando um crucifixo no
peito. O segundo também não foi lá uma boa tentativa. O rapaz tinha acabado de
sair da missa, onde comungara e a hóstia nem dissolvera por completo. O
terceiro foi uma decepção total. O cidadão era pastor de almas e carregava,
ajustado debaixo do braço, um livro dito “sagrado”. A tentativa seguinte foi
meia-boca, e o rabudo não gosta desse termo. O sujeito carregava, na mochila, o
que lhe pareceu ser uma garrafa de água-benta, apropriada para refrescar os
cristãos em dias de calor, com efeito colateral próprio para espantar
maus-olhados.
O tentador já estava perdendo a esperança, coisa
que, historicamente, nunca lhe rendeu bons frutos. Até que avistou um sujeito
franzino, calvo, meio encurvado, andando em zigue-zague, a rua pra ele estava
estreita... bastaria um sopro de filhote de lobo-mau pra jogá-lo por terra. O
cidadão usava boné com uma estrela e camiseta vermelha...
Companheiro? Será? Pensou, reflexivo, o tição.
Mas, seus muitos anos de estrada lhe ensinaram alguma coisa. Aquilo era gente
do outro lado disfarçado pra enganar o diabo. Todo feito de Fake News esse cabra!
Falso-amigo até o último dos poucos fios de cabelo que ainda lhe restam. Isso é
fascista da melhor espécie para queimar no fogo bom nas profundezas do submundo.
Pensou rápido e resolveu se transformar no ídolo
maior da extrema-direita, que tanto sucesso faz por aquelas bandas do
agronegócio. Não deu outra. O cabra entregou-se, ajoelhou-se, levantou as mãos
para o céus, e gritou feito um tresloucado sobrevivente do oito de janeiro:
-- Mito, Mito, Mito! Mil perdões! Estou usando
esse disfarce para não ser alcançado pelas garras do malvado, que está de
plantão nesses dias de muito calor!
-- Não tô acreditando muito nessa conversa, não,
tá okay! Bonezinho de estrela, camiseta vermelha... nada de verde e amarelo, e
ainda segurando uma garrafa de Ipioca! Cachaça do Nordeste, pô! Se fosse pelo
menos uma de Pirassununga...
-- Não mestre, me perdoe – disse com a voz
trêmula e gotas de lágrimas saindo pelos cantos dos olhos. -- Isso daqui é água
benta! Acabei de colher na pia batismal do bispo Ed Ir Mais Cedo! Toma um gole
pro senhor mesmo constatar...
Prenhe de razão, senhor de si, o canhoto virou a
garrafa com gosto de fazer inveja ao melhor dos cachaceiros da região de Uruaçu,
Goiás, onde o pior bebedor nunca tomou um gole de cachaça atravessado.
Deu ruim! Era água benta mesmo! O exu começou a se
contorcer de dor, foi engiando, minguando, virando pó até desaparecer por
completo. Pra glória dos moradores daqueles altos, nunca mais foi visto por
ali.
Moral da história: Mais vale uma fake news no corpo do que dez perambulando pelas redes sociais.
Adorei kkkkk
ResponderExcluirQue bom! Obrigado.
ExcluirGrande Zé! Como sempre, um ótimo conto!
ResponderExcluirValeu, muito obrigado!
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