terça-feira, 3 de junho de 2025

Se o fusca "Azul Jolcelina" falasse...

O Azul Jolcelina ficou famoso no médio norte goiano

Fantástica essa crônica do amigo, desembargador, poeta, escritor e membro da Academia Goiana Letras (AGL), Itaney Campos. Já vimos histórias parecidas serem narradas em outras plagas, outras regiões interioranas, principalmente em acontecimentos envolvendo personagens do universo da zona, não a rural, claro.

Pelas bandas do Machambombo – ou Machombombo ou Machimbombo – o córrego que banhava a nossa pequena Uruaçu, enquanto por seus caminhos passava água suficiente para engrossar o rio Passa Três, também surgiam por lá histórias como essa, mas, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência... Lembrando que a zona, na terrinha, era mais conhecida como "Fôia Seca".

Coincidências ou não, deixemos que o mestre Itaney nos conte tudo no texto publicado abaixo. Quer dizer, quase tudo...

 

Jolcelina e o seu Baú
Itaney F. Campos

Itaney Campos
O menino chegou esbaforido na casa de Jolcelina, uma das melhores casas da rua de mulheres, a rua da zona, na cidadezinha sertaneja farta de sol e poeira. Dona Jolcelina, gritou, teve um acidente com o Baú, na estrada pra Niquelândia! A mulher, uma quarentona suculenta, veio correndo, do interior da casa. Nervosa, no natural, parecia em pânico. Baú era o seu amante mais assíduo, o melhor que já tivera.

– Acidente como!?! O que aconteceu? – gritou.

– O carro dele, o Fusca, bateu e amassou a frente. Dizem que ele desmaiou e foi levado pro hospital Santana! – respondeu o moleque.

– Mas como foi isso, meu Deus, ele é motorista tão experiente! Chama um táxi pra mim, Demazim, corre ali no ponto! Me chama um táxi!

Dez minutos depois a mulher já estava no táxi, se dirigindo ao hospital. Seguia aflita, temendo que a coisa fosse grave, e que seu enrabichado corresse risco de vida. Esse tipo de coisa e a aflição no peito diziam lhe que era amor o que sentia por aquele moço. Ele não merecia essa paixão, dizia pra si mesma, mas, isso não lhe acalmava o coração, que palpitava forte, como se previsse o pior.

Será que ele quebrou o braço, ou a perna? Pior, será que bateu a cabeça? Mas um detalhe dava um tom amargo à sua preocupação. Alguém comentou que ele estava acompanhado de alguém. Uma mulher, talvez. Doía-lhe pensar que ele poderia estar tendo um outro caso. Outro não, com ela não era só um caso...

Não, podia ser uma cliente, uma parente. Pensou consigo mesma que o seu ciúme já estava imaginando coisas. Mas isso era prova de que a sua ligação com ele era de amor, de paixão, não era só um caso, uma transa sem compromisso. Embora não morassem juntos, encontravam-se toda semana, ele frequentando sua cama e ela rejeitando, quando podia, outros homens, pois sentia que ele era o homem da sua vida.

Da sua vida já um pouco longa, e sofrida. Há um ano era exclusiva dele. Ela, que enfrentara tantos dissabores, desde que saíra de casa para livrar-se dos assédios do padrasto; ela, que montara uma casa, acolhendo moças como ela, rejeitadas ou assediadas; ela, que já se cansara de lidar com bêbados, soldados arrogantes, velhos rabugentos e rapazinhos mimados, tinha nesse amante a ilusão do companheirismo. A porta para sair da “vida de cabaré”.

Ele era o baú em que guardava a fortuna do seu futuro.  Inclusive fora ela quem dera a ele o Fusca que ele usava no dia a dia. Um fusquinha reformado, azul claro, num tom diferente, que o povo já chamava de “azul Jolcelina”, pois o povo é criativo, metido a fazer gracinha de tudo.

Estava matutando nisso quando o carro de praça chegou ao hospital. Pagou a corrida e desceu apressada. Antes pode reparar que o Fusquinha, com arranhados novos e um pequeno amassado no para-lamas, estava estacionado na sombra, ao lado da casa de saúde. Desceu apreensiva. Pelo menos, o carrinho não teve danos graves. Teve de trabalhar e economizar muito para comprar o fusca, que deu de presente ao namorado.

Na recepção do hospital, foi informada de que as condições de saúde do acidentado eram regulares, mas por cautela fora determinada uma radiografia, para melhor avaliação. Já as condições da moça inspiravam maior cuidado, por isso fora levada a UTI.

– Que moça? Estava com ele na hora do acidente? – indagou, ansiosa.

– Sim, responderam. – A moça estava com ele, no carro, saindo para Niquelândia. E como estava grávida, ficou em observação na UTI.

– Segundo o prontuário, estava grávida dele, alguém esclareceu...

No dia seguinte, o fusca apareceu com o para-brisa quebrado, os quatro pneus furados e os dois para-lamas riscados e amassados, em suma, em condições precaríssimas!

Ninguém, nem o motorista Baú, estranhamente, quis tomar providências sobre aquela pancadaria no Fusquinha. Um mês depois, o carrinho, reformado, voltou a circular na cidade, “guiado” pela mulher dama. A cor era a mesma: um azul clarinho a que o povo dera o apelido de azul Jolcelina. Baú sumiu por uns seis meses. Nunca mais foi visto, porém, a batucar, mentir e ouvir música na casa da madame Jolcelina, na zona boêmia, em Uruaçu.


4 comentários:

  1. Sou suspeito, mas gostei do comentário. A crônica pode ser subscrita por todos nós, geração 60/70 de Uruaçu. Rs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Como não apareceu o nome do titular do comentário, fiquei sem entender o "sou suspeito". E fiquei curioso... hehehe

      Excluir
  2. Muito bom kkkkkk a ira da mulher foi transferida toda para o fusquinha.

    ResponderExcluir