quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Miltinho, a voz ritmada que embalou tantas gerações


Miltinho entrou na minha vida nos tempos de criança, quando atravessávamos a rua pra ouvir música na radiola de tia Constância, preferencialmente aos domingos, depois da missa na Matriz. Na sala de tia Constância havia um móvel bonito, elegante, que além de tudo isso ainda tocava discos de vinil – em 33, 45 e 78 rotações por minuto. Supermoderno e chique. Contava os dias da semana pra poder ouvir música no domingo. Da Jovem Guarda, comandada por Roberto Carlos, passando por ídolos da MPB, música internacional, até os clássicos, ouvíamos de tudo.
Foi lá que conheci Mulher de 30 e Cara de Palhaço, entre outras maravilhas do universo miltiniano. A voz anasalada, ritmada e afinadíssima desse cantor ímpar nos acompanhou por décadas, mesmo no período em que seu estilo de cantar saiu de moda. Milton Santos de Almeida, popularmente consagrado como Miltinho, morreu no último domingo, no Rio de Janeiro, aos 86 anos de idade, vítima de parada cardiorrespiratória.

Tinha uma voz singular, difícil de combinar com conjuntos vocais, mas isso não o impediu de fazer sucesso e gravar belas páginas da nossa música em duetos com Elis Regina, Jair Rodrigues, Elizeth Cardoso, Cyro Monteiro, Dóris Monteiro, Elza Soares, Chico Buarque, Luiz Melodia, Ed Mota e Zeca Baleiro. Seu maior talento estava sem dúvida no ritmo, na capacidade de executar o fraseado, dando à música uma beleza inigualável.
Sobre esse dom, Miltinho fez uma revelação interessante. "Sou ritmista. A única particularidade é que canto dois tempos atrasado, a harmonia vai na frente. Você fica com dois tempos para errar. As pessoas não sabem que dois tempos em música é troço que não acaba mais, dá pra escrever uma carta pra casa", disse com a ironia que lhe era habitual.
Nós, brasileiros, temos o péssimo hábito de deixar cair no esquecimento nossos mais ilustres representantes da música popular. Foi assim, com Cartola, Miltinho, Cyro Monteiro e tantos outros. Pra matar a saudade desse talento que nos deixou no último domingo, o segredo é ouvi-lo e apreciar o que nos deixou de bom. Que não é pouca coisa.



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