quarta-feira, 17 de junho de 2015

O mar vai virar sertão e o sertão vai virar deserto


Bem fez a ONU em decretar, no ano de 1994, a data de 17 de junho como o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca. Por trás desse imbróglio desenrola-se um dos maiores dramas da humanidade: a migração de comunidades pobres, fugindo da seca e da fome. Um problema universal, agravado neste século pela violência em países de regime ditatoriais e governos fundamentalistas.
Esse problema já atinge 42% das terras do planeta e 35% da população mundial. Só no Brasil, temos 16% do nosso território suscetíveis de desertificação. As consequências vão desde a diminuição da fertilidade dos solos até a redução da capacidade hídrica. Esse processo já está colocando grandes áreas, antes produtivas, em desertos e colocando a vida das populações em risco
.

Se a humanidade não tomar nenhuma atitude a respeito, em 2020, cerca de 60 milhões de pessoas terão partido das zonas da África subsaariana para o norte da África e para a Europa. Em termos mundiais, 135 milhões de indivíduos correm o risco de ter de se deslocar de sua zona de origem para outra em melhores condições. E as mais prejudicadas são justamente as comunidades mais pobres, com maior dificuldade de locomoção.
Pesquisadores do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, advertem que ainda está ocorrendo aumento na pressão das atividades humanas na região do semiárido brasileiro - como a produção de lenha para energia, carvão, desmatamentos para vários fins, entre outras.


A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Semiárido) tem elaborado ótimos projetos, que precisam de apoio e incentivo para saírem do papel. Segundo especialistas, está faltando políticas públicas de curto, médio e longo prazo, que envolvam mudança cultural, por meio da educação (sempre!). Da mesma forma medidas punitivas, como por exemplo a inviabilidade de crédito bancário para quem não adota as melhores práticas.


João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos e Luiz Gonzaga retrataram de forma magistral – em prosa, versos e canto – o drama da migração do povo nordestino rumo ao sul maravilha. Fenômeno mais intenso e cheio de contradições ocorre no norte da África em direção à Europa Maravilha. Centenas, milhares de africanos, fugindo da seca, da fome, de regimes ditatoriais e governos fundamentalistas, enfrentam o Mar do Mediterrâneo, em embarcações superlotadas e frágeis. Os desastres se sucedem e número de mortos aumenta mês a mês.

Quem dormiu no chão deve lembra-se disto, impor-se disciplina, 
sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. 
Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: 
inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze. 
Graciliano Ramos

Tá correta a ONU em buscar a conscientização das pessoas e alertar os governantes e a elite mundial quanto aos riscos que a humanidade corre. O problema da desertificação e da seca é sério e não está recebendo a atenção devida.

Morte e Vida Severina
João Cabral de Melo Neto
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.


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