Peço perdão aos inúmeros parentes e
amigos que eu tenho no exercício dessa atividade – e são profissionais
exemplares –, mas a comemoração dessa importante profissão para a saúde pública
deveria ser transferida para outro dia. Até para valorizar os próprios
odontólogos, que sofrem com a monotonia típica de um consultório dentário.
O calvário começa no dia anterior,
quando a gente se lembra: “Nossa, meu Deus do céu, amanhã tenho dentista”. E
começa a remexer sua agenda, cheio de esperança de encontrar alguma coisa chocando
horário com o da consulta. Desespero que continua no dia seguinte e, raramente,
só é interrompido por aquele telefonema milagroso da secretária: “Senhor,
surgiu um compromisso inesperado e o doutor não vai poder atendê-lo hoje, tudo
bem?”. Tudo bem, não. Tudo ótimo.
Tem alguma coisa mais antidemocrática
do que sala de espera de consultório dentário? Ninguém conversa com ninguém.
Cada um que chega já procura logo uma revista pra folhear. Pode ser a pior
revista do Brasil e já completamente defasada. Não se vai ler mesmo! É só pra passar
o tempo. Aliás, pra ver se o tempo não passa e não chega a sua vez. Fica todo
mundo rezando pra que o próximo a ser chamado seja o próximo que estiver mais
distante dele.
Mas não escapa. Chega a sua vez. Se
pretender falar alguma coisa com o dentista, o melhor é aproveitar o curto
espaço de tempo que lhe resta antes de sentar naquela cadeira, que deve ter
sido importada dos porões do DOI-CODI. Depois que você senta, o monólogo está
estabelecido. E são tão sádicos que nem amarram o cliente na cadeira com cinto
de segurança. É como se estivessem dizendo assim: “Você está livre, solto, mas
quero ver coragem pra fugir”. Ninguém foge da cadeira do dentista. A última
chance é lá, na antessala de tortura. Depois que entrou, acabou.
Tem alguma coisa mais antidemocrática
do que o zumbido daquela broca de dentista perfurando seu dente? Não basta
sentir dor, você ainda fica com aquele barulhinho por muitos dias percorrendo
os neurônios (os poucos que restaram depois do “tratamento”). E assiste a tudo
calado, de boca aberta, como se estivesse morrendo de admiração.
Se o dentista não gosta de conversar,
você acha ruim. Pensa que o cara é daqueles que adoram ver o paciente sofrer em
silêncio. O doutor é um sádico, que curte o barulho da broca. Gosta de valorizar
o som do motorzinho.
Agora, se o profissional é daqueles
falantes, que adora contar uma piada, fazer uma gracinha... Meu Deus, esse é
cínico! Está rindo da nossa desgraça. E existe dentista que é tão espirituoso. Tão
gente boa. Ao final e ao cabo da última sessão, ele diz com um sorriso amarelo,
como se estivesse sofrendo:
- Está aqui a conta. É a única parte
do tratamento que não doi.
Gente, ainda bem que eu não marquei
dentista para o dia de hoje... Posso comemorar em paz o Dia da Democracia! E viva o Dentista, mas, de preferência, em outra data.
Perdoe-me, José, mas desta vez você conseguiu ser apenas espirituoso e até engraçado, mas pouco atualizado e até injusto com os modernos e bem decorados consultórios dentários. E não tô falando isto só porque minha mulher é dentista, mas tb por isso, pois tenho conhecimento de causa. É que hoje o tratamento odontológico, como tudo no mundo moderno, passou por transformaçòes radicais. Primeiro porque grande porcentagem dos profissionais são mulheres: lindas, delicadas, suaves como a figura materna. As cadeiras são vibratórias, relaxam, e são tão confortáveis que vc hesita em ir embora. Uma doce sonolência toma conta do paciente, ao som ambiente de um jazz ou de uma canção da bossa nova. Já não há brocas com zumbidos que perfuram os neurônios. Os aparelhos são silenciosos e ejetam uma água fresca e cristalina. Em caso de qualquer dor, nào se usa injeção anestesiante, mas sim uma pequena cápsula que se dissolve imperceptivelmente e anestesia suavemente o local em que se intervém. Vc mal percebe o tratamento..o tempo se esvai numa ligeireza inacreditável. E não há a conta dolorosa. O plano de saúde cobre tudo, oportunamente. A decoração aconchegante, os efeitos repousantes do projeto luminotécnico dos consultórios, tudo contribui prá que vc esqueça que está em um consultório...o comum agora é o dentista alertar suavemente o paciente que o tratamento já acabou e ele deve levantar-se e ir embora, porque há outro para ser atendido. Por isso, VIVIA O DENTISTA e Viva também a DEMOCRACIA: Ambos são inispensáveis prá uma vida sadia e risonha!
ResponderExcluirÉ isso aí. A crônica é baseada na memória que temos dos duros tempos de consultório dentário. Não é um texto técnico, mas sim uma brincadeira com esse medo que virou folclórico. Tecnicamente só a parte que fala da importância dos profissionais para a saúde pública, e também da excelência dos profissionais que conheço (amigos e parentes). Com certeza, os consultórios evoluíram - não todos, claro. Sim, viva o Dentista e a Democracia, mas não dá pra ser em dias diferentes, não? Abraço.
ResponderExcluirMuito legal o texto!
ResponderExcluirDei risadas aqui! Realmente, mesmo com toda a tecnologia e os avanços pelo qual a odontologia passou ainda tem muita gente com esse medo antigo de dentista...rs.
Olá Josi, você está sumida. Vamos formar um coral lá na Caesb para uma apresentação antes do Natal. Surgiu essa ideia e eu acho que vai dar certo. Obrigado pela participação.
ExcluirTá certo, tá certo...mas o que eu quis foi também quis fazer uma brincadeira., mas parece que o tom ficou sério..quis estabelecer um contraponto ao seu texto, espirituoso, leve e engraçado, mas risonhamente pouco amigo dos consultórios...ao mesmo tempo, quis fazer uma média com a minha mulher (e consegui), além de, ao ler a crônica, ter-me lembrado de cumprimentá-la....mas bem que podia sim ser em dias diferentes o dia da democracia e o dia do dentista...nisso vc tem toda razáo..abraços..
ResponderExcluirOlá Zeca, interessante as datas coincideirem... viajei... fiquei imaginando um dentista extraindo os dentes dessa pseudo-democracia que nós vivemos no Brasil, assim quando a democracia sorrir, será mais cômico e,mais tragico...
ResponderExcluirSeu BLog está um baratoooo
abraços dessa capixaba
renata
Obrigado, Renata, pela participação, sempre carinhosa com o blog. Realmente, nossa frágil democracia está precisando de um sorriso mais ancho e transparente. Todos nós, inclusive os dentistas, podemos dar nossa colaboração, né? Grande abraço desse goiano...
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