A música popular brasileira está mais
pobre desde ontem ao meio-dia. Mestre Gamela, também conhecido como Sidney
Barros, morreu, em Anápolis, estado de Goiás, vítima de infecção generalizada,
aos 70 anos de idade. Considerado um dos grandes violonistas da música
brasileira, com extraordinária capacidade para arranjos e harmonias, Gamela era
natural de Barretos (SP), mas viveu boa parte de sua vida entre Brasília e
Anápolis. Além de todo o talento como instrumentista, era um ser humano
maravilhoso e um grande amigo.
Gamela sempre enfrentou dificuldades
no quesito saúde. Teve um câncer, ainda jovem, que o obrigou a tirar boa parte
do intestino. Há alguns anos, foi vítima de uma doença infecciosa, que provocou
paralisias parciais e o obrigou a um tratamento demorado no Hospital Sarah
Kubitschek. Melhorou, voltou a dar aulas de violão, mas perdeu muito de sua
capacidade de mobilização.
Foi professor de artistas como Raphael
Rabelo – harmonia, bem no início da carreira –, Nelson Faria – quando tinha 17
anos e morava em Brasília –, Rosa Passos, Dado Villa-Lobos, Zélia Duncan,
Cássia Eller e Herbert Viana, entre outros. Antes de ser professor, acompanhou
shows de Maysa, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Carlos Galhardo, Ivon Cury,
Nelson Gonçalves e Gal Costa.
Gamela é o músico típico. De origem
pobre, foi tintureiro e chapeleiro, profissão que aprendeu com o pai. Depois, trabalhou
a vida inteira como músico, participando de gravações, shows e dando aula, mas
nunca abriu mão de seu estilo refinado e de sua rebeldia para obter sucesso
comercial. Criou seu método próprio de ensinar violão. Também foi um dos
responsáveis em trazer para a música popular brasileira arranjos sofisticados,
harmonias finas e, acima de tudo, musicalidade de muito bom gosto.
Gamela foi autodidata. Interessou-se
pela música nos bons tempos da bossa-nova. Foi um dos maiores intérpretes da
música de Luiz Bonfá, de quem sofreu forte influência, assim como também de
João Gilberto e Baden Powell.
Tivemos o prazer e a alegria de ter
tido o Gamela como amigo. O Ramiro, nosso filho, chegou a ser seu aluno de
violão. Frequentou nossa casa, graças à amizade comum com Maurício Eduardo
Cardoso, Sipião e Tristão. Com essa turma, ele tinha um encontro tradicional,
um almoço, todas as sextas-feiras.
Num dos momentos difíceis de sua vida,
por duas vezes, fizemos apresentações, com jantar, em nossa casa, para ajudá-lo
financeiramente. Em um deles, além de participar como músico, Hamilton de
Holanda fez questão de pagar uma cota do evento.
Fui visitar o Gamela, certa vez, na casa
do Maurício Eduardo. Gamela estava sentado numa cadeira de roda, conversando
com Yamandú Costa. Era uma fase em que ainda não conseguia manejar o violão,
portanto, estava impossibilitado de dar aula. Ficaram trocando ideias durante
alguns minutos. Yamandú mostrou músicas novas, arranjos especiais para um disco
que então estava preparando. Pude sentir o carinho do músico gaúcho pelo
Gamela. Depois que ele foi embora, Gamela percebeu que tinha deixado uma nota
de R$ 100,00 embaixo da manta que cobria suas pernas.
Gamela tinha um humor ácido, gostava de
brincar com seus alunos e candidatos a alunos de forma a trazê-los para a
realidade. Certa vez, um rapaz o abordou. Disse que gostaria de ser seu aluno e
que tinha estudado dez anos em um conservatório de música. Ele não titubeou: “Tudo bem,
depois passa lá em casa pra gente tirar seus vícios”. Sempre que levantava uma
taça para brindar, gostava de dizer, em vez de saúde, “cirrose!”.
Esse é o Gamela que fica na nossa
memória. Grande músico, apaixonado pela profissão que escolheu na vida, amigo
de todas as horas, era, acima de tudo, um ser humano irrepreensível e muito
querido pelos colegas de profissão.
Pra matar a saudade, que já é muita, Gamela interpretando Samba Triste, de Baden Powell e Billy Blanco.
Pra matar a saudade, que já é muita, Gamela interpretando Samba Triste, de Baden Powell e Billy Blanco.
Belíssima interpretação desse violonista excepcional que conheci por intermédio da minha parceira ValériaDeCastro. Era especialista nos chamados 'chord melody' (associação entre acorde e melodia). E o Zé nos dá um painel extraordinário sobre a vida do Gamela, com passagens e detalhes que eu (e acho que a maior parte dos leitores não conhecia). Grato.
ResponderExcluirÉ Nelsinho, Gamela vai fazer falta para o nosso universo musical já tão desfalcado. A festa lá no céu tá ficando cada vez mais animada... O time de lá está recebendo bons reforços muito rapidamente. Grande abraço e obrigado por mais essa participação aqui no blog.
ExcluirConheça a associação cultural Mestre Gamela AculturAmegA
ResponderExcluirassociação cultural sem fins lucrativos, uma homenagem ao Mestre Gamela, ensinamos musica, artes,capoeira pra crianças e adolescentes sem cobrar nada. conheça mais sobre o projeto visitando o site www.aculturamega.com
Fui lá no site e conheci o projeto, Antonio Marcos. Confesso que fiquei emocionado e feliz com a ideia de vocês. Gamela merece essa homenagem. Parabéns e sucesso nessa iniciativa tão salutar!
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