domingo, 11 de novembro de 2018

Do Barbeiro de Sevilha aos barbeiros do Machombombo


O amigo Baltazar Cardoso postou no Facebook essa foto acima. Barbeiro e cabeleireiro lá de Uruaçu – aquela cidade que fica no centro de Goiás, do Brasil, da Terra, quiçá, do Universo –, ele faz parte da nossa história, não apenas pela sua profissão, mas também por estar inserido na nossa cultura musical e folclórica. O cliente dele é doutor Cristovam Francisco Ávila, nosso mestre maior e sobre quem já escrevi neste blog (para ler, clique aqui).
A foto fez-me voltar no tempo e lembrar de quando erámos obrigados a ir ao barbeiro. Criança, de um modo geral, não gosta de cortar cabelo. No meu caso, era um pouco diferente. Frequentávamos a barbearia do Valdomiro, que era bem em frente da nossa casa. Só atravessar a rua. E nela tinha Zé Paraibano, um senhor sério, um pouco carrancudo, mas, engraçado, piadista, contador de histórias.


Então, ir ao barbeiro era interessante. Conversar e ouvir histórias. Lembro que estava um dia no armazém de meu pai, quando meu primo Luizinho entrou alvoraçado: “Zé, vamos lá na barbearia, Luís Coelho tá cortando o cabelo com Zé Paraibano”. Luís Coelho, piauiense, boêmio, primo da minha mãe, foi uma das pessoas mais engraçadas que conheci. Fomos pra lá e rimos até sair lágrimas pelo canto dos olhos e sentir dores na barriga.
Baltazar além de talento para a profissão, fez curso em Brasília de barbeiro e cabeleireiro, porque, segundo ele, são coisas diferentes. Mandou colocar uma placa na frente da barbearia enaltecendo esse item do seu currículo. O pintor escreveu: “Barbeiro e Cabeleireiro concursado”. Ou seja, em Uruaçu, pra exercer essa profissão era preciso fazer concurso.


Mas, a profissão é bem mais antiga do que a nossa memória alcança. Na Grécia, fonte da sabedoria com os filósofos, havia o culto também à beleza. Os guerreiros e os homens pertencentes à nobreza usavam cabelos compridos. Os filósofos também deixavam os cabelos crescerem e a barba, tradicionalmente, era densa, justamente para aparentar sabedoria. Os escravos não podiam ter barba, nem bigode, e usavam cabelos curtos e liso. Já os jovens imitavam os penteados de Apolo e Arquimedes.
Logo surgiram os primeiros salões de beleza e a profissão de barbeiro, exclusiva do sexo masculino. Fico imaginando se vivêssemos naquele tempo, meu primo Luizinho entraria lá em casa: “Zé, vamos lá na barbearia, Sócrates foi aparar a barba!”.
Mas, nos séculos XVI e XVII, a profissão era associada às de médico e de dentista. Os barbeiros foram acusados de praticar a sangria de forma exagerada, sem pudor. No século XIX, as profissões de dentista e de médico se afastaram da de barbeiro. E somente no século XX a mulher foi incorporada à profissão e também admitida como cliente. Surgiram os salões unissex.



No mundo da artes, Fígaro, O Barbeiro de Sevilha, personagem da obra de Gioacchino Rossini, é um profissional que faz de tudo na sua cidade: arranja casamentos, ouve confissões e espalha boatos. A ópera conta a história de sua tentativa de ajudar um conde a conquistar o coração de uma jovem. 
No Brasil, a profissão foi trazida pelos jesuítas. Esteve durante muitos anos associada aos escravos. E por consequência ganhou um vínculo muito forte com a música. Com muita liberdade, eles tocavam lundus, dobrados, quadrilhas, fados, fandangos e chulas, muito em voga naqueles tempos. Estavam sempre presentes nas festas, nas portas das igrejas e eram até reverenciados com a alcunha de "música de barbeiro". Jean-Baptiste Depret retratou isso muito bem em suas belas pinturas.
A associação do amigo Baltazar e de sua profissão à música tem raízes históricas e culturais. Baltazar toca violão, canta e participa ativamente das folias de reis em Uruaçu. Nossas homenagens a ele, a todos os barbeiros, in memoriam, a Valdomiro e Zé Paraibano. Nossos barbeiros do Machombombo (córrego que corta Uruaçu).

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