sábado, 17 de novembro de 2018

Mais médicos, menos ideologias e uma saúde pública

                                                                                  Foto: Araquém Alcântara
Resolvi falar um pouco sobre a saída dos médicos cubanos no programa Mais Médicos. Antes de qualquer coisa, e acima de tudo, deixo claro que o considero um belo programa de saúde pública, embora esteja muito longe de ser a solução para os nossos problemas nesse quesito. Aliás, muito longe disso.
O programa foi um bom achado para dar assistência mínima a quem, nos rincões e nas áreas indígenas, não tinha socorro médico algum. Aí, vem o argumento contrário de que nessas regiões não existem infraestrutura. Bom, penso que é melhor um médico onde não há infraestrutura, do que a ausência dos dois. Para essas pessoas, costumo argumentar que, nessas regiões, uma parteira, um enfermeiro, são pessoas capazes de ajudar a população pobre no sentido de ter reduzido seu sofrimento e até mesmo os riscos de morte. Mas, esse argumento nem sempre os convence. Reconheço, pode ser que eu esteja errado.


Na sequência, geralmente, vem o argumento ideológico. Esse é o pior. Querem nos convencer de que por serem de Cuba - portanto, filhotes da ditadura comunista - não têm diploma compatível com aqueles concedidos no Brasil; não têm preparo, conhecimento médico suficiente para cuidar da nossa gente humilde.
Foi por isso que pedi autorização a duas pessoas para narrar a experiência de suas famílias, lá nos rincões do Brasil esquecido, abandonado pelo poder público, pelos políticos, distante principalmente da saúde pública.
O primeiro caso é o da Jane, diarista aqui de casa aos sábados. Ela é uma pessoa de poucas letras, mas, de uma experiência de vida inigualável.  Veio para Brasília trazendo a filha mais nova e deixando dois filhos com a mãe, no interior do Maranhão. Foi explorada, trabalho escravo, quando aqui chegou, em plena capital da República. Trabalhou meses na casa de uma amiga da família sem receber um tostão.

                                                                                 Foto: Araquém Alcântara
Pois bem. O Mais Médicos, na avaliação dela, é um programa salvador para o seu pai, sua família, amigos, conhecidos e desconhecidos da cidade de Serrana e de toda as outras daquela região. Quem são os médicos que estão por lá? Os cubanos. Foram eles que atenderem o pai da Jane, de um problema sério de saúde, oferecendo dedicação e carinho, coisas que todos precisam nesse momento.
Ficou triste, emocionada, quando soube que os médicos cubanos vão deixar o programa e sair daquele rincão maranhense. Tem esperança de que eles sejam substituídos pelos competentes e preparados médicos brasileiros, devidamente diplomados. Acredito que ela até enxergue um fator atrativo para a ida dos profissionais brasileiros: eles não terão que pagar 70% dos seus salários ao Estado. Se forem para essa região de fato, provavelmente, a tristeza da Jane terá sido em vão e todos voltarão a sorrir e a ter assistência médica básica, mínima.


Segundo caso. O da Eva, carinhosamente chamada por nós de Evinha. Doméstica, assalariada, também deixou a família no interior para tentar uma vida melhor na capital da República. Veio do norte de Minas, das barrancas do São Francisco. Não trabalhou em regime de escravidão, mas, foi explorada. Muito inteligente. Foi vítima de criação adotiva. Faltou estímulo, apoio, para avançar nos estudos, ficando só com o ensino primário completo.
Pois bem, seu depoimento é o de que o programa Mais Médicos foi a salvação de um povo esquecido naquele rincão abandonado na fronteira com a Bahia. Ela conhece pessoas que choraram e chegaram ao desespero com a notícia da saída desses profissionais, para eles, tão dedicados e atenciosos. Talvez, no entanto, sejam salvas pela adesão dos médicos brasileiros ao programa para substituir os cubanos. Isso não é impossível, mas está gerando preocupação.

                                                                                  Foto: Araquém Alcântara
Preocupações? Sim, e bem justificadas. Fico receoso quando vejo um relato no Facebook, reproduzido abaixo, feito por uma cidadã que me garantiu ser o retrato fiel da realidade. Ela mesma diz que só acredita porque ouviu com os dois ouvidos que Deus lhe deu. Se a maioria dos nossos profissionais de saúde pensar assim, começo a entender a tristeza da Jane, da Evinha e de todos os seus familiares. Não vai dar certo.


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