quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Hoje é Dia do Sexo. É dia de falar pouco...


Hoje é Dia do Sexo. Recuso-me a fazer qualquer comentário sobre esse tema. A não ser o óbvio de que um dia apenas para tanta imensidão é muito pouco. A não ser para aquele personagem da piada que, participando de um simpósio, respondeu à pergunta de quantas vezes fazia sexo por ano: “Uma vez, uma vez, uma vez!”. E o coordenador do evento perguntou: “Tudo bem, mas por que tanta euforia?”.  E ele, ainda eufórico, gritou: “Porque é hoje, é hoje, é hoje!”.
Esse personagem, sim, pode vibrar com o Dia do Sexo, instituído no ano de 2008. Nós, pobres mortais, vamos ter que continuar fazendo, tentando, sonhando, pensando, falando e comentando sobre sexo todos os 365 dias do ano – sem esquecermos que o ano bissexto tem 366 dias. Só falta o personagem daquela piada responder que faz sexo uma vez por ano, somente em ano bissexto – todo dia 29 de fevereiro...

Falar sobre sexo é complicado. Sempre provoca equívocos. Tinha uma colega nossa, dos tempos de funcionários do Banco do Brasil, que achava que sexo oral era conversar sobre sexo. Revelou essa sua ignorância sobre o tema morrendo de rir, com o rosto vermelho e as lágrimas escorrendo pela face.
Até Carlos Drummond de Andrade temia mal-entendidos sobre seus poemas sensuais, sexuais, pornográficos mesmos. Como falar de sexo, sexualidade, sem ser eventualmente interpretado como pornográfico.  Não acredito que alguém possa imagina que haja pornografia nos versos de Drummond. Se ela existe, deve ter se diluído em arte.  Mesmo assim, “O Amor Natural” só foi lançado cinco anos depois da sua morte. O tema é complicado...
Neste dia de hoje, eu prefiro apenas postar aqui uns poemas de Drummond sobre o assunto, e também a bela canção de Chico Buarque, O Meu Amor, na interpretação impecável de Marieta Severa e Elba Ramalho, do musical Ópera do Malandro.
Bom demais, né? Prazeroso.

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural':

Para o Sexo a Expirar

Para o sexo a expirar eu me volto, expirante, 
raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo. 
Amor, amor, amor — o braseiro radiante 
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo. 

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita, 
a minha se rebela ante a morte anunciada. 
Quero sempre invadir essa vereda estreita 
onde o gozo maior me propicia a amada. 

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo quem sabe? 
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer 
antes que, deliciosa, a exploração acabe. 

Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo, 
e assim possa eu partir, em plenitude o ser, 
de sémen aljofrando o irreparável ermo.

Sugar e ser sugado pelo amor

Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence
um gozo de fusão difusa transfusão
o lamber o chupar o ser chupado
no mesmo espasmo
é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.

A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.

A castidade com que abria as coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.

Mimosa boca errante

Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delícias
que fruto e boca se permitem, dádiva.
Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereces
a seu volume e jato apaixonados
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?
Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.
Já sei a eternidade: é puro orgasmo.

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.
Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo não te escuto não te aperto
mas tua boca está presente, adorando.
Adorando.
Nunca pensei ter entre as coxas um deus.


Um comentário:

  1. Cara, isso é que é fazer poesia erótica! O Amor Natural - que li há alguns anos - é um livro inusitado, e é todo ele nesse ritmo, nesse clima de amor erótico, desnudo, exposto, sem pejo e sem eiva de vulgaridade, mas também sem os véus do romantismo..é o amor de pele, de carne, de gozo e espamo..É de espantar a criatividade drummoniana..Aretino, Bocaccio, Bocage, Gregorio de Matos, Marques de Sade, toda o literatura fescenina conhecida perde prá veia erótico-literária de Drummond..Viva o sexo, com ou sem amor!

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