domingo, 5 de maio de 2013

Sobre o Fred, gatinho que não teve direito a sete vidas

Maior conversa fiada esse negócio de que gato tem sete vidas. Se isso fosse verdade, o Fred, nosso gatinho da raça persa, companheiro discreto por quase dez anos, ainda poderia enfrentar pelo menos mais umas quatro ameaças fatais. Ainda estaria entre nós, nesse nosso reino animal, e teria sobrevivido ao mergulho em águas profundas da piscina do vizinho. Ele é esse aí da foto, sentado sobre as teclas do meu notebook.
Seu passamento aconteceu justamente no dia em que o Ramiro, nosso filho mais velho, faria a apresentação de sua dissertação de mestrado na UnB, em Direito Constitucional. Foi um dia mesclado de alegria e tristeza para todos nós. Mas, como tudo nessa vida, esse episódio, da forma como aconteceu e as circunstâncias que o cercam, serve também para algumas reflexões.
Já tinha passado de meia-noite, quando o Ramiro e o Jordano (o mais novo) foram avisados pela vizinha de que um gato caíra na piscina e estava muito mal. Surgiu a dúvida de que podia ser o Fred. Meus dois filhos foram até a beira da piscina e concluíram que não era o nosso gato. Enrolaram o animal não identificado numa toalha, e se propuseram a levá-lo para o veterinário como tentativa de ainda salvar sua vida. Chegando à clínica, depois de alguns atendimentos, a cor do gato melhorou e também reapareceu o pelo que estava encolhido pela umidade. Aí, sim, levaram um susto muito grande: era o Fred.
O gatinho ainda ficou lá por umas seis horas, mais ou menos, tomando soro, mas não resistiu. Ou seja, os meninos tentaram salvar um gato que não conheciam, mas acabaram acompanhando o triste fim de um animalzinho que adoravam. Prefiro pensar como o poeta e jornalista Nelson Ascher, que escreveu esse belo texto abaixo:


 Pequena Elegia
Nelson Ascher

Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia morte 
não passa de uma forma 
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível 
mais alto é que eles, galho a galho, 
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso 
― se somem ― é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.

A maneira como nos relacionamos com os animais melhorou muito de algumas décadas pra cá. Bons ensinamentos foram repassados para as novas gerações, que hoje são capazes de atitudes como a do Ramiro e do Jordano sem precisar de determinação dos pais. Na nossa infância, aventuras como incentivar briga de galos e sair para caçar passarinho eram comuns. Confesso, e já revelei isso aqui no blog, que não tinha nenhum dos dois “pendores”.
Embora tenhamos perdido o Fred, podemos concluir dizendo que nem tudo está perdido na humanidade. O nosso lado racional às vezes nos torna frio e calculistas. Mas, o emocional, quando fala mais alto, é bem mais interessante.
Bom fim de domingo para todos e que venha uma segunda-feira bruta, mas de alma lavada.



6 comentários:

  1. E vc ainda conseguiu escrever um texto desses, meu Deus! Eu acho que me prostraria..nenhum texto teria o condão de me tirar do desalento...sofro pelo Fred e pelos meninos...e o pior, digo, melhor, é que o seu texto ainda é legal..como é que a emoçào não te descontrolou e impregnou o texto? Cara, vc mais do que jornalista, tá virando escritor...mas coitado do Fred!

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  2. Cara, depois disso tudo, vc ainda conseguiu salvar o texto! Vc já não é apenas um jornalista, tá virando escritor, aquele que salva o escrito ainda que a vaca tussa, ainda que o gato morra, ainda que o fato escorra...Lindo e triste esse acontecimento.. fora eu, nada me tiraria o desalento..nem escrito eu teria...valeu, amigo!

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    1. É isso aí mestre Itaney! Temos que expressar nossos sentimentos. É até uma forma de suavizar o peso desses eventos nada agradáveis. Abraço.

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  3. Não estava sabendo do Fred... Que história mais inacreditável... Que descanse em paz.

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  4. Doce lembrança do nosso gatinho Fred. Suas cinzas estão lá no nosso jardim, adubando os pés de pequi. Ele continuará fazendo parte dos nossos sonhos, e sua imagem, sempre tão delicada, ficará nas nossas lembranças.

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  5. Delicado, esse era o Fred, muito delicado, lindo, mas sua postura era delicada, redimida . Era muito bom olhar para o Fred. Também estou desolada.

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