terça-feira, 2 de outubro de 2012

Noites de insônia, poesia e a ilusão de quem sonhou

Há noites que eu não sei o que me passa, eu abro o meu Neruda – ou o Drummond, ou o Pessoa, ou o Bandeira – e apago o sol. Mas a noite não passa e nem a clareza do dia retorna a nos aliviar de uma tormenta, que, muitas vezes nem existe de fato, mas que o silêncio da noite amplifica e faz parecer eterna, insolúvel. São as angústias e os tormentos do mundo moderno.
Nessas horas, o melhor mesmo é escrever. Qualquer coisa, desde que mexa dentro, doida, qualquer coisa, que nos deixe pra lá de Marrakesh. Foi numa dessas madrugadas que nasceu esse poema abaixo, que compartilho com os amigos aqui do blog. Espero que não tire o sono de ninguém... Mas, se isso acontecer, escreva um poema – pode não fazer a noite passar mais célere, mas faz um bem...

Confissões
José Carlos Camapum Barroso
                                   (Para Stela Márcia)

Confesso que vivi
E deixei de viver
Noite enluaradas
Namoradas que perdi
Outras que deixei
E as que nem tive
O prazer de sentir.

Confesso que vi
O tempo escorrer
Entre dedos frágeis
Mãos trêmulas
A suplicar perdão...
Disse sim, talvez,
Em vez de um não!
Menti num sorriso
Tênue, contido
Estacando lágrimas
Do fundo do coração...

Confesso que sofri
Sentimento doído
Que tinha na face
O prazer em si...
A confissão da dor
A repulsa do amor
A ilusão do porvir
Busquei a felicidade
Longe, bem longe,
Lá no horizonte
Que a vista alcança
Mas o coração, frágil
Não arrisca medir.
 
Confesso que morri
Onde almas borbulham
Entre ferro e fogo
No inferno de Dante
No calor dos anjos
Onde a vida, em luz
Perpassa incólume
Os vitrais das catedrais
E extingue o tempo.

Confesso, acordei
Era sonho de criança
Ilusão frágil do ser
Em forma de esperança...
Como a própria vida
Que se deixou de viver.

           (Brasília, 02/10/2012)

5 comentários:

  1. Linda a poesia Zé Carlos! Estou com quase 40 anos, confissões inconfessáveis também aguçam meus sentidos, minha alma, amadurecemos e ficamos mais sensíveis? Mais contemplativos? A alma a flor da pele? Confusos? Ou temos mais coragem de confesarmos as incertezas? Não sei... Aos 40 estou descobrindo novas nuances, texturas, tramas e dramas. Percebo a compexidade infinita de mim mesma... E o tempo... Como o tempo se apropria da vida se não a apropriamos dela...
    Abraços a todos! Luciana M. Moraes

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lindo o seu comentário, Luciana. Fico feliz em saber que a poesia tenha tocada de forma tão sensível na sua visão do mundo. Obrigado pela participação e beijos para todos aí de Rio de Verde. Qualquer dia desse apareço por essas bandas.

      Excluir
  2. Os vitrais das catedrais...muito lindo... eu quero ser como os vitrais de uma catedral... deixar a luz passar... para que o tempo deixe de existir...

    abs,
    Melissa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Melissa.
      Sempre bem-vinda com seus comentários oportunos aqui no ZecaBlog. Realmente, os vitrais de uma Catedral são um sonho à parte. Tem um livro, excelente, com uma passagem maravilhosa sobre as Catedrais. Se você não leu, vale a pena: Trem Noturno Para Lisboa, de Pascal Mercier.
      Grande abraço e obrigado por mais essa participação.

      Excluir
  3. Percebo mais uma vez que para os poetas a finalidade não é se libertar da dor, mas ter a sabedoria de expressar o conflito que se encontra à deriva.Recolher lembranças complexas no anoitecer,o resultado pode ser bonito. A insônia não é má companheira.Parabéns,um belo poema .

    ResponderExcluir