quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Quando a poesia consola e os anos tentam aplacar a dor

Meu tio e padrinho Batista Barroso é uma pessoa exemplar. Figura doce e querida por todos da família, pelos amigos e também por quem o conhece. Lá em casa, todos os quatro irmãos temos por ele uma admiração muito especial, pois sempre foi um verdadeiro pai para nós e um grande irmão, conselheiro e amigo para nossa mãe Iracema Barroso.
No ano de 2006, Batista sofreu um baque daqueles impossíveis de serem superados. Perdeu um filho de maneira inesperada e repentina. Graças ao extraordinário valor espiritual que possui, vem, ao lado de sua Marília, enfrentado a dura realidade e procurando levar a vida de acordo com os desígnios de Deus.
No ano de 2007, durante as comemorações dos 50 anos de seu casamento, meu padrinho revelou mais uma qualidade na sua formação: a de poeta. Escreveu um poema relatando todo o drama que estava vivendo e, com voz embargada, leu o texto para todos os que foram prestigiar as Bodas de Ouro.
Como esse cantinho é jornalísticos, artístico e cultural - por todos esses e outros motivos -, reproduzo abaixo o poema de João Batista Coelho Barroso, o nosso querido e amado Batista Barroso, desejando a ele saúde, paz e que continue a nos iluminar com a sua presença e sensibilidade por muitos e muitos anos.
Quem sabe esse poema também ajude a consolar os pais e mães que perderam seus filhos na triste tragédia de Santa Maria, ocorrida na madrugada do último dia 27. Só quem passa por um drama desses pode retratá-lo em toda a sua dimensão. Com a palavra meu tio, padrinho e poeta Batista Barroso. Logo a seguir, Chico Buarque de Holanda com a sua extraordinária Angélica, acompanhado do violão de Miltinho do MPB-4.

O ser e o nada
Batista Barroso – 08/03/2007
Eu sou,
A brisa que beija e balança a copa florida e perfumada das árvores.
Eu sou,
O murmúrio das águas cristalinas que desce em cascatas nas cachoeiras cantando uma canção de ninar.
Eu sou,
O canto sonoro do sabiá apaixonado que desperta a natureza com sua sonata saudosa do alvorecer.
Eu sou,
O sorriso meigo da criança que ainda tem esperança de um dia chegar ao esplendor de seu sonho.
Eu sou,
O irmão pedinte que vaga maltrapilho implorando caridade.
Eu sou,
O amor que consola a criança que chora.
Eu sou,
O bem maior que dá equilíbrio ao universo.
Eu sou,
O asteroide desgarrado do planeta mãe, vagando na imensidão do cosmo em busca de luz.
Eu sou,
O sonho do sono que não desperta.
Eu sou,
A porta sempre aberta esperando você chegar...
E agora...
Que faço do meu coração
Que está partido em pedaços
Desde  que você se foi?
E agora?
Estás em tudo
E não te encontro em nada!
E agora?



Angélica
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

4 comentários:

  1. Que dizer da dor de um pai, do seu peito cravado de dor, ante a perda súbita do filho? As palavras soam inúteis...Nem o silêncio exprime a profundidade do pesar....Nossa solidariedade ao pai e admiração por essa pessoa humana, seu tio, e seu poema..Muita bela e oportuna essa canção do Chico, sobre uma mãe que anda, quase em delírio, à procura do filho desaparecido....

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  2. Estivemos com o Batista agora no início de janeiro, minha irmã Cida e eu. Não conseguimos falar com dona Marilia. Conversamos um pouquinho com ele. Saudades do tempo em que morávamos lá.

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  3. Só mesmo a poesia para conseguir dizer o indizível...

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  4. Tio Batista é tudo de bom que um ser humano pode ofertar, nessa nossa rápida vida ele já veio especial, ele é quase tudo. Em sua poesia ele é a natureza que relata. Um ser encantado. "Só mesmo a poesia para dizer o indizível..." bela frase.

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