Infância no interior era uma delícia. Naqueles idos dos anos
1960/1970, na pequena Uruaçu, onde para se chegar da capital do estado
precisaria percorrer pelo menos 240 quilômetros de estrada de terra, então, era
como viver distante de todas as novidades e modernidades, inclusive a
televisão.
O charme era ser bom de bola, um artista na arte de atirar o pião,
o bilboquê, a finca, bolinha de gude, empinar pipa e saber nadar para não
morrer afogado nos córregos e rios que naqueles tempos ainda tinham água.
Lembrei-me deste cenário porque nesta segunda-feira (27/04) comemora-se
o Dia do Engraxate. Eu fui um deles naquelas ruas e avenidas de Uruaçu,
carregando uma caixa nas costas e anunciando “vai graxa” a um bom número de
interessados. Na Europa, do pós-guerra, a profissão de engraxate já entrara em
decadência. Mas, no interior do Brasil, estava em plena efervescência. E a
nossa turma disputava mercado, espaço e discutíamos preço de uma engraxada como
se fôssemos adultos.
Meu avô Antônio Pereira Camapum, seu Toinho,
foi quem me estimulou a começar cedo a trabalhar, exercer alguma atividade
capaz de engradecer e formar o cidadão. Vendi pirulito enrolado no palito,
laranja, e ele abriu uma caderneta para anotar os créditos. Mas, o que eu
gostava mesmo era de engraxar. Estar na rua, no convívio com os moleques e
ouvir causos e histórias dos adultos.
Fácil perceber como a profissão de
engraxate foi sumindo e hoje quase não existe mais. Meu filho Ramiro Barroso,
quando tinha seus dez anos, mais ou menos, estava indo com a mãe dele, minha
mulher Stela, para a escola – na época, o INEI da L2 Sul de Brasília. De
repente, cruzaram com um engraxate na calçada, com sua caixa de madeira nas
costas, enorme. E ele gritou, cheio de entusiasmo:
- Mãe! Que fera a mochila daquele
moleque! Você viu?
Em outras palavras, o garoto filho de
um engraxate, não sabia, na década de 1990, o que era uma caixa de engraxar, ao
ponto de confundi-la com uma mochila. Sinal dos tempos.
Uma amostra de que a profissão de
engraxate ainda existe e resiste a ajudar pessoas na arte de sobreviver,
descobri, alguns anos atrás, ao ler uma matéria do G1 que contava a história de
Joaquim Pereira, um rapaz de 24 anos, que formou em Direito, numa faculdade
particular, custeando os estudos com o trabalho de engraxate.
Outro alento, foi conhecer o Anderson
Almeida, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, que ganhava a vida e
cresceu profissionalmente, sustentando a sua família com o trabalho de
engraxate. Atendia bem não só aos ilustres deputados e deputadas, mas a todos
os empregados e visitantes. Anderson, graças à invenção das redes sociais, hoje
é meu amigo aqui no Facebook.
Eh, amigos e amigas, a profissão de
engraxar enfrenta o risco de extinção, mas ainda mostra o ar da graça por esse
Brasil imenso. Profissão essa que é arte e tem suas raízes na cultura da
sobrevivência do povo mais simples.
Parabéns! E viva os engraxates, sempre.
Parabéns! E viva os engraxates, sempre.
Engraxate, por Vitalino Pereira dos Santos |
Engraxate
José
Carlos Camapum Barroso
Engraxate
que bate
Na caixa
fora do ritmo
Não faz
nem pro gasto...
Se o pano
não repica,
Jamais terá
o brilho
Que o
sapato do fulano
Merece e
reivindica.
Se o “vai
graxa, aí”
Sai
desafinado, então ,
O coro do
esculacho
Vem a uma
só voz
Desisti-lo
da profissão.
Engraxar é
uma arte
Que exige
dedicação.
Compasso em
desvario,
Que bate
na madeira,
Ritmado
quando a mão
Acaricia o
desgastado
Couro do
senhorio.
Suor de
engraxate
Escorre
pelo rosto
Se mistura
à graxa
Pelo
pescoço e mão
Até ser
tragado pela
Grandeza
do coração.
Engraxar é
uma arte
Não morre
na profissão.
Do amigo, poeta e psicólogo Ítalo Campos, recebi esse comentário:
ResponderExcluir"Sou testemunha ocular desta história. Dos pirulitos de Dona Dudu, os de limão eu preferia. Os engraxates 2 ou 3 se postavam não porta do bar do Zé, bem perto do poste que sustentava o alto-falante.
A batucada realizada pelo pano na fricção do sapato ou butins, o repique com este mesmo acima do sapato, tinha minha parceria, sambista que eu já era.
Pedi, mamãe não me deu, uma caixa de engraxar."
Pois é, o point era mesmo em frente ao Zé do Bar em direção à barbearia do Valdomiro. Mas, eu gostava de engraxar também em frente à pensão do Seu Rodolfo. Tinha um bom movimento.
ExcluirRamiro,gostei kkk. História boa demais!
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