terça-feira, 28 de abril de 2020

Quero ouvir alguém gritar: "Eu amo minha sogra!"


Hoje é dia de um bando de gente falsa ir pras redes sociais dizer: eu amo a minha sogra!

Mentiroso. Um genro no máximo tolera a sogra enquanto perdidamente apaixonado pela filha dela. Sempre foi assim desde que começaram os acasalamentos no mundo.

Minha sogra, dona Odessa de Freitas, era uma figura admirável pela inteligência, espirituosidade, cultura e pelo tanto que dava atenção aos parentes e aos amigos e amigas. Não media esforços para ir visitar alguém distante, que estivesse precisando da presença dela – o difícil é acreditar que alguém precisasse daquela presença... mas, ela ia.

Tinha um temperamento difícil. Boa numa discussão e de briga, principalmente com os parentes e mais especialmente com as filhas. Comigo, não. Nunca brigou porque eu a levava na troça e na base da brincadeira.

Uma dessas brincadeiras foi a crônica publicada no jornal O Popular de Goiânia, Goiás. Republico abaixo para apreciação dos leitores do blog.

Minha sogra já nos deixou. Foi tentar descobrir um outro mundo em que não exista genro chato e implicante. Vai ser difícil...

Quero ver quem vai ser o primeiro a gritar: “Eu amo minha sogra!”.



Minha sogra pulou a cerca
Por José Carlos Camapum Barroso

Quem diria, hein? Depois de 80 anos de idade, dedicados plenamente à família, sustentados por um discurso fortemente moralista e conservador, minha sogra resolveu pular a cerca. Para surpresa de todos: netos, bisnetos, filhos e, principalmente, dos genros – afinal, já imaginou se o “problema” for hereditário?
Sorte dela que não vive em país mulçumano nem professa religião fundamentalista. Fico imaginando a ex-distinta senhora sendo massacrada em praça pública se vivesse, por exemplo, no Afeganistão, onde não escapam do sacrifício nem as pobres imagens de Buda.
A mulher (no sentido genérico, não a minha sogra em particular, claro) recebe punição, em pleno terceiro milênio da Era Cristã, pelo simples fato de descobrir o rosto. Enquanto isso, em outros países, ganha proporcionalmente à quantidade de roupas que tira. Quanto mais descobre, mais cobertos ficam os seus saldos bancários. Ressalto essas contradições por mera especulação. Não me passa pela cabeça (imaginem!) que minha sogra tenha tomado tal decisão por motivos tão fúteis... Será?!?
Sorte da minha sogra também por não ter vivido na Idade Média, quando tais atos eram considerados ofensivos à moral cristã e, não raro, atribuídos a bruxas, feiticeiras e outras personalidades do gênero. A punição, morte na fogueira. Aí ficamos imaginando, nós, membros da família, se também vivêssemos naquela época, como iríamos sofrer! Quanta dor! Reunião familiar à base de churrasquinho, então, nem pensar. Durante muitos e muitos anos...
Odessa adorou a Crônica
Mas o fato, tal como se deu, mereceria a atenção especial do mestre do cinema italiano Frederico Fellini, se vivo fosse. Na realidade seria mesmo para um filme de longa-metragem. Minha sogra gastou 20 minutos (sugestivo esse tempo, hein?) para superar uma barreira, mais especificamente uma cerca, uma porteira na fazenda de sua filha, no interior de Goiás, próximo ao município de Rio Verde.
Ela, sozinha, abandonada pelo ônibus na rodovia, resolveu pular a porteira fechada por um cadeado. Era impossível passar entre um fio e outro de arame estendido. Embora lisos, os arames estavam muito próximos um dos outros para o seu corpicho. Foram dez minutos sofridos para galgar o topo do obstáculo; e outros dez minutos de apreensão para proceder à íngreme descida. E o medo de despencar lá de cima e ficar abandonada na estrada da fazenda, por onde raramente passam carros. Aí, sim, o título desta crônica seria: Sogra quebra a bacia ao pular cerca.
Felizmente nada aconteceu de mais grave, além da cena cinematográfica, felliniana, de pular a cerca. Também sou forçado a explicar que minha sogra é viúva, o que exclui o zunzum de que ela estaria pulando cerca... Pura intriga de algum genro despeitado, provavelmente daquele que tascou o cadeado na porteira quando soube que receberia tal visita. Alguns comentaristas, por preciosismo, poderiam dizer que uma mulher viúva, depois de certa idade, não pula cerca. No máximo, estaria procurando expandir a propriedade.
Neste caso, seria sorte dos filhos, netos e bisnetos. Afinal, são os herdeiros do patrimônio. Nós genros, não somos considerados parentes...
Azar o nosso.

(Publicado no jornal O Popular, em setembro de 2001)

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