A questão da presença, ou da ausência, do Estado nas regiões mais pobres do Brasil, principalmente nas grandes metrópoles, é uma das mais complexas que a sociedade brasileira enfrenta hoje. A dimensão do problema pode ser vista pela dificuldade encontrada pelo governo do Rio de Janeiro para implantar as Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs) nos morros cariocas.
Resistência não apenas física, que às vezes acontece até com o uso de armamento pesado, por parte dos chefes do tráfico em regiões mais violentas. Mas, também, pela dificuldade no convencimento dos moradores a aceitarem a presença do Estado, que sempre esteve distante daquelas áreas. A cultura que domina as favelas é a que foi imposta pelo tráfico durante décadas.
Silvana, uma grande amiga, contou-nos recentemente um diálogo interessante que teve com um vendedor de coco na praia de Ipanema, poucos dias antes da investida contra o complexo Rocinha/Vidigal, que acabou ocorrendo no último dia 13.
O vendedor Morador do Vidigal falava sobre o orgulho de morar naquela favela: um lugar bonito, próximo dos melhores pontos da Zona Sul, com uma vista maravilhosa e outros penduricalhos. Nossa amiga concordou, e, mostrando conhecimento da realidade carioca, acrescentou:
- Pois é, né, que coisa boa... E agora, na próxima semana, vocês vão receber uma Unidade de Polícia Pacificadora. Vai ficando cada vez melhor...
- Sei não, dona... Vou falar uma coisa pra senhora. Eu não tenho nada contra o pessoal de lá, não, sabe? A gente até se entende muito bem... São todos nossos vizinhos, tem muita gente boa ali, e acaba acontecendo uma solidariedade muito grande.
- Mas, veja bem – nossa amiga ainda tentou fazer alguma ponderação. Agora vai aumentar a segurança, o Estado vai poder construir escolas, centros culturais, de lazer...
- Dona, por que o governo quer entrar lá agora? Pra cobrar imposto da gente? Agora vamos ter que pagar água, luz e outras contas. Antes não tinha nada disso, não. E todo mundo sempre viveu muito bem. Eu não concordo muito com essas coisas, não, sabia?
Silvana então desistiu. Foi beber água de coco, olhar o mar e apreciar o sol maravilhoso do Rio de Janeiro. Deu uma olhada para o morro do Vidigal, imponente, majestoso, tranquilo, acima do nível do mar, abençoado pelo Cristo Redentor, servido pela Avenida Niemeyer, entre Leblon e São Conrado.
Aquele pessoal lá em cima está esperando mesmo não é a chegada da UPP, ou qualquer outra ação do Estado, mas sim a noite que traz o samba, o baile funk, e tantas aventuras carregadas de adrenalina. Depois, é só apreciar o raiar do dia, com sua alvorada maravilhosa no morro, como dizia Cartola. Lá onde a luz do sol chega primeiro...
Quem pacifica mesmo é a educação, a cultura, a geração de emprego e a participação ativa da comunidade na construção do seu futuro. A presença do Estado é fundamental para garantir essa transição. A esperança é a de que isso passe a existir daqui pra frente. Caso contrário... É só entrevistar de novo o vendedor de coco na praia de Ipanema.
Na verdade, o Estado sempre esteve ausente e, onde ele esteve presente, o que marcou foi a ineficiência, o que sempre fez o povo desconhecê-lo ou temê-lo. Agora, surge uma nova expectativa, não ingênua, mas cheia de esperança. Como diz o poeta, com chance de fazer surgir uma "alvorada lá no morro".
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