terça-feira, 11 de outubro de 2011

Lágrimas artificiais para um poeta seco


É isso mesmo. Foi a receita prescrita pelo oftalmologista que consultei em virtude de um derrame de vaso sanguíneo no olho direito. O nome do remédio é daqueles bem afrescalhados, amiúde usados pelos torcedores do Fluminense e do São Paulo (isso é politicamente incorreto? Não consigo mais fazer essa avaliação...) Mas, estava escrito lá na receita: uma gota, três vezes ao dia, de Fresh Tears (lágrimas frescas).
Trata-se, rigorosamente, de uma lágrima artificial, explicou o médico diante da minha preocupação com algum possível efeito colateral... Foi como se ele dissesse assim: “caro paciente, é preciso chorar de vez em quando, senão o globo ocular não agüenta”.
Poderia ter dito de forma diferente. Quem sabe, receitado um colírio qualquer para manter olhos úmidos até passar a terrível seca que abrasou Brasília neste ano. A umidade relativa do ar caiu abaixo de 10% em alguns dias – um verdadeiro clima de deserto.
Mas não, o oftalmologista resolveu fazer uma ironia sutil. “Use aí umas gotas de lágrimas frescas, que farão bem para os seus olhos enquanto durar tamanha falta de sensibilidade”.
Confesso que saí de lá meio atarantado. Não tanto por estar com a pupila do olho direito dilatada, mas principalmente por sentir meu ego de ser sensível, minha alma de poeta e a fama de cidadão receptivo a dores alheias, todos bastante definhados.
Cheguei em casa. Recorri a minha discoteca. Lá estava o velho e sempre novo Jorge Mautner, com sua bela canção Lágrimas Negras, feita em parceria com Nelson Jacobina. Ouvi umas dez ou doze vezes. Bebi umas três ou quatro doses de uísque. (Ou terá sido o contrário?). Para ajudar a refrescar a minha memória, e vocês a entenderem o que aconteceu, posto abaixo a música na bela interpretação de Nina Becker.
Então, nesse ambiente maravilhoso, consegui até arrancar do fundo da alma alguns versos para essa poesia abaixo sobre lágrimas... Não sei se lágrimas naturais vieram naturalmente naquela noite. Mas, por via das dúvidas, no dia seguinte, levei ao pé da letra o conselho do médico. Não é que as lágrimas artificiais deram certo!


Lágrimas contidas
José Carlos Camapum Barroso

Uma lágrima custa um grito de dor
Quando arrancada de uma alma
Despedaçada pela mera ilusão
De uma razão melhor que o amor
                                                                               
Melhor que o sentimento presente
De quem se sente apenas um ser
Tantas vezes ausente nas noites
Que antecedem, enfim, o amanhecer

Uma lágrima é só uma lágrima
Mesmo multiplicada no espelho
Da vida, no olhar de uma criança,
No semblante cansado de um velho.

Custa arrancar da alma endurecida
Uma lágrima frágil, despedaçada,
Que vai regar uma face enrijecida?

Afastar da alma tamanho martírio,
Por tantas mazelas amortecidas,
Não é lágrima, é apenas colírio.


Lágrimas Negras
Composição: Nelson Jacobina e Jorge Mautner
Canta: Nina Becker

Na frente do cortejo
O meu beijo
Forte como o aço
Meu abraço
São poços de petróleo
A luz negra dos seus olhos
Lágrimas negras
 
Caem, saem, doem

Por entre flores e estrelas
Você usa uma delas como brinco
Pendurada na orelha
Astronauta da saudade
Com a boca toda vermelha
Lágrimas negras
 
Caem, saem, doem

São como pedras de moinhos
Que moem, roem, moem
E você baby vai, vem, vai
E você baby vem, vai, vem
Belezas são coisas 
Acesas por dentro
Tristezas são belezas
 
Apagadas pelo sofrimento
Lágrimas negras
 
Caem, saem, doem

Um comentário:

  1. sogrinho, sempre nos presentando com belíssimos textos e reflexões! Beijos, Vanessa.

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