Nélson Cavaquinho conseguiu em sua obra um feito raro, só alcançável pelos artistas de indiscutível sensibilidade e talento: deixava as pessoas felizes, contentes, mesmo compondo recorrentemente sobre temas mórbidos. Fazia versos belíssimos ao tratar de morte, despedida, separação e outras mazelas da vida. Em parceria com Guilherme de Brito fez um dos mais belos versos da música popular brasileira: “Tire o seu sorriso do caminho/ que eu quero passar com a minha dor”.
Nélson Cavaquinho tinha uma voz cavernosa, de uma rouquidão adquirida nas noites de boemia pelas ruas do Rio de Janeiro, a custa de muita cerveja gelada e cigarro. Tocava o violão de forma diferente, fazendo belas embaixadas e mais percutindo as cordas do que as dedilhando. Voz e som do violão que combinavam com seus versos amiúde preocupados com a presença da morte na vida de todos nós.
Nélson lembra os antigos trovadores a falar da beleza das flores, da efemeridade da vida e da presença constante da morte. Chegou a dizer em versos: “Em Mangueira,/ quando morre um poeta, todos choram./ Vivo tranqüilo em Mangueira,/ porque sei que alguém há de chorar quando eu morrer”. Ou, mais realisticamente: “Sei que amanhã quando eu morrer/ Os meus amigos vão dizer/ que eu tinha bom coração...”.
Em plena morbidez de um Juízo Final, que eu já postei aqui neste blog, revela o seu lado sonhador, otimista: “O sol há de brilhar mais uma vez/ A luz há de chegar aos corações/ Do mal será queimada a semente/ O amor será eterno novamente”.
José Ramos Tinhorão chegou a dizer que toda a figura de Nelson Cavaquinho era “a saga de um homem que vive em estado de poesia”. Talvez por isso mesmo nunca tenha morrido, continua a nos acompanhar em estado de graça e, nesta sexta-feira, dia 28 de outubro, completará 99 anos, embora em sua biografia conste que faleceu no dia 18 de fevereiro de 1986, no Rio de Janeiro.
Fazia sambas para serem consumidos na madrugada nos mocós e nas rodas de samba dos morros cariocas. Trocou várias composições por hospedagem, comida, cachaça, vestimentas. Certa vez, um desses “parceiros” voltou no outro dia reclamando que não se lembrava mais da letra nem da música. Nélson não teve dúvida ao retrucar: “Azar o seu, compadre, eu também esqueci tudo”.
Com Guilherme de Brito, Candeia e Élton Medeiros, gravou, em 1977, um disco belíssimo: Quatro Grandes do Samba.
Em Luz Negra, diz que está “Sempre só/ E a vida vai seguindo assim/ Não tenho quem tem dó de mim/ Estou chegando ao fim”. Nélson Cavaquinho, na realidade, estava sempre perto, e às vezes pra lá, muito pra lá do fim. Mas, ao mesmo tempo, estava sempre cercado pelo pulsar da vida, das canções, dos amigos e admiradores.
Ouvir uma canção de Nélson nos enche de alegria e contentamento. Esse é o segredo do verdadeiro poeta, que não morre jamais. No vídeo abaixo, depois de interpretar Minha Festa, ele canta A Flor e o Espinho, acompanhado de Elizeth Cardoso, no ano de 1973, na TV Record. No outro vídeo, com Guilherme de Brito, canta primeiro Minha Festa, depois a maravilhosa Folhas Secas, Palhaço (relembrando Dalva de Oliveira), Degraus da Vida (recordando Ciro Monteiro) e Deus não me Esqueceu. São dois momentos históricos...
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