Artigo da Ombudsman da Folha de São Paulo, Suzana Singer, neste domingo de Carnaval, reconhece algo que já havíamos dito a colegas jornalistas em Brasília: os jornalistas não fazem mais jornalismo. A muleta do “ouvir o outro lado” enfraqueceu o jornalismo crítico, no sentido amplo da palavra, e fez com que ele se voltasse mais para o sensacionalismo, respaldando o denuncismo e as manchetes que “vendem” jornal.
Suzana Singer mostra a desastrosa reportagem do jornal, sob a manchete “STJ ignora teto e paga supersalários a seus ministros”. O repórter ouviu o outro lado, mas não levou em consideração os argumentos usados pelo ministro Ari Pargendler, presidente do órgão, que disponibilizou, inclusive, seu próprio contracheque para mostrar que tudo estava de acordo com a lei e as orientações do Conselho Nacional de Justiça. O jornalista estava errado, e a Folha teve que se retratar.
Outros casos semelhantes a esse salpicam pelo jornalismo brasileiro. Aqui em Brasília não é diferente, muito pelo contrário. Vários exemplos poderiam ser dados, mas vamos nos ater à Câmara Legislativa do DF, aonde tive a oportunidade de trabalhar como Coordenador de Comunicação Social, em pleno escândalo da Caixa de Pandora. Nesse período, compreensivelmente, o senso crítico ao que acontecia e se fazia na Casa tornou-se amplamente aguçado. Não poderia ser diferente.
Mesmo assim, foram dezenas de reportagens feitas equivocadamente, ou que, pelo menos, deixaram de ser apuradas na dimensão exata dos fatos. Um caso curioso foi a “notícia”, registrada por vários veículos de comunicação, de que o elevador da Câmara teria caído, “despencado”, do 5º andar ao 4º subsolo do prédio. As duas pessoas que estavam no elevador nada sofreram. Teriam, sim, levado um susto e se “sentiram mal”.
De nada adiantaram as explicações dos técnicos de que o elevador, depois de registrar uma falha, acionou o sistema de segurança, fechou as portas e desceu rapidamente até o 4º subsolo. Os jornalistas também fizeram ouvidos moucos para o argumento de que o elevador, se tivesse caído de uma altura correspondente a nove andares, provocaria pelo menos ferimentos leves nas pessoas que estavam em seu interior. O laudo médico comprovou que as duas pessoas nada sofreram. Mas as manchetes garantiram que o elevador caiu, ou despencou, do 5º andar.
Exceção deve ser feita à repórter da TV Globo, que se recusou a fazer matéria porque constatou que a versão não correspondia ao que de fato teria ocorrido. Os demais preferiram apostar na versão e, após “ouvir o outro lado”, simplesmente ignoraram os fatos.
Os jornalistas precisamos, urgentemente, entender que “ouvir o outro lado” é apenas um instrumento para apurarmos os fatos, e não uma muleta para garantir a publicação de versões, geralmente sensacionalistas - essa panacéia precisa acabar. Parabéns a ombudsman da Folha, que colocou o dedo na ferida de um erro frequente no jornalismo brasileiro.
Que coisa!
ResponderExcluirMuitas vezes a matéria já está "escrita". Ouve-se um lado, outro lado, três, quatro lados, até que se ache um lado compatível para argumentar aquilo que se pretende defender como "fato". A pauta, muitas vezes, já foi desenvolvida. É só questão de encaixar os personagens "certos". Quantos exemplos desse "jornalismo" encontramos todos os dias... Estar informado pode ser sinônimo de ser enganado ou convencido. Verdade é outra coisa... Quando resolvi estudar jornalismo, por sua "culpa", sempre vislumbrei a busca pela verdade (absoluta não existe, mas podemos, pelo menos, tentar buscá-la). O lado bom da história é que muita gente pensa como a Suzana Singer. Ela não precisa, mas se precisasse eu assinaria embaixo. Abraços e parabéns pelo blogão!