sábado, 25 de fevereiro de 2012

O talento de ator de Bandeira e a poesia no cinema

“B. está dormindo. De repente se mexe e acorda. Estende a mão, apanha o relógio-pulseira na mesinha ao lado, vê que já são 7 horas – tempo de se levantar. Senta-se na cama, passa a mão na cabeça, fica alguns segundos pensativo. Afinal ergue-se, veste o roupão, caminha para o balcão, escancara a janela”.
“B. aproxima-se da banca dos jornais, compra o Correio da Manhã e afasta-se pela avenida Presidente Wilson, lendo a folha". 
Foi esse o esboço de roteiro que o poeta Manuel Bandeira fez a pedido do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, que tivera a ideia de fazer um filme sobre as coisas comuns vividas pelo poeta em uma manhã qualquer. A partir daí nasceria O Poeta do Castelo, um curta de dez minutos, produzido no ano de 1959, em que Manuel Bandeira faz o seu próprio papel, recita duas de suas poesias e surpreende a todos, mostrando-se um ator seguro, “com o rigor e a disciplina dos melhores profissionais”, na definição do próprio diretor.
Joaquim Pedro retrata o cotidiano de um poeta, sonhador, cercado pelo peso do dia-a-dia, da rotina da cidade grande, apertado pelo concreto, pelo peso dos edifícios, a opressão do apartamento – o Belo, Belo daquilo que ele tem, mas não quer; distante do que quer, mas não tem.
O instante mágico é um telefonema que faz com que o poeta abra um belo sorriso. A partir daí, Bandeira começa, mesmo dentro da sua rotina, a recitar os versos de Vou-me Embora Pra Parságada. Veste-se, sai para a rua, compra seu jornal, encontra um amigo e caminha pela Presidente Wilson em direção a um lugar sonhado no infinito do céu...
Joaquim Pedro não quis fazer a cena do poeta acordando... Disse que filmar esse momento é difícil até para um grande ator. Revelou que Bandeira só perdeu a paciência em alguns raros momentos: a cena em que o poeta atende ao telefone foi gravada várias vezes, mas, acabou saindo com um sorriso espontâneo e maravilhoso; na cena da rua interna, nas proximidades da padaria, uma equipe de lixeiros queria limpar o local antes da filmagem; e algumas cenas de rua em que, às vezes, precisavam esperar o sol aparecer.
Em um artigo escrito no ano de 1966, o diretor disse que gostaria de ter feito a cena final da forma que foi sugerida pelo poeta, em que ele se afasta pela avenida Presidente Wilson, lendo o seu jornal. Do filme pronto, a única coisa que contrariou Joaquim Pedro foi o erro de montagem do som do telefone, que continua tocando mesmo depois que Bandeira já retirou o fone do gancho.
Posto abaixo essa maravilha do cinema brasileiro. É um curta poético e delicioso de se ver. Está no Facebook da “sobrinha” Raquel Campos, que também fez a gentileza de enviá-lo por e-mail. É uma boa pedida pra este final de tarde de sábado pós-Carnaval.
(Para ler o texto anterior sobre Manuel Bandeira, clique aqui)




Um comentário:

  1. Que coisa triste e comovente! A solidão do poeta no áspero e concreto silêncio do seu apartamento, na selva de pedras da cidade grande. E sonha com Pasárgada, inventaria os sonhos que não se realizaram, idealiza os poemas, liberando-se do duro cotidiano, só quebrado pelo fugaz encontro com os amigos esparsos...faltou o trecho: "criou-me, desde eu menino, para arquiteto, meu pai? foi-se-me um dia a saúde/ fiz-me arquiteto? Não pude/ sou poeta menor, perdoai!". Só não merece perdão porque é um poeta MAIOR, "estrela da vida inteira"!òtimo Raquel, beleza, José, pelo texto!!

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