Foi um bebê guloso. Secava a mãe pelos
peitos e esvaziava duas mamadeiras de leite engrossado de uma tacada só. Entre
tirar uma mamadeira e engatar a próxima, eram cinco segundos de um choro agudo
e doído. Comia papa em travessa, e a sua sopinha era, na realidade, um sopão,
em prato fundo e já prévia e estrategicamente esfriado.
Nos tempos de criança – ali já quase beirando
a pré-adolescência –, certa vez, almoçou lá em casa. Fiquei impressionado. Como
podia alguém comer alface com aquela voracidade?! Tá certo que recheava a folha
com arroz, feijão e uns pedaços de carne, que ninguém é de ferro. Fazia um
bolinho, fechava-o bem fechadinho, e o enfiava na boca, por inteiro.
Na adolescência, era apenas um
razoável bebedor de cerveja, que consumia desde que viesse regada a tira-gosto
de tirar a fome de qualquer mortal. Torresmo, costelinha de porco, pastel,
quibe frito, mandioca com manteiga de garrafa e outras coisitas mais, enquanto aguardava ansioso o almoço. Nada sobrava
nos pratos, nem nas travessas dos botecos e restaurantes.
Foi assim até conquistar o verdadeiro
amor de sua vida. Era uma nutricionista e vegetariana. Como todo homem
apaixonado, casou e mudou. Mudou não apenas de endereço, mas principalmente de
postura, personalidade e de cardápio. E claro, sumiu dos amigos, da turma e dos
ambientes calóricos...
Hoje, Dia do Nutricionista, de farra, fomos
almoçar com alguns amigos em um restaurante vegetariano. Quem estava por lá?
Nosso amigo Zé Renato. Magro, esquálido, entristecido e envelhecido. Tão logo
me viu entrando no restaurante, abriu os braços e um sorriso.
- Você por aqui?! Que surpresa
agradável! Fico feliz em saber que você aderiu à comida vegetariana. Sua vida
vai melhorar trezentos por cento. Você vai sentir como eu estou me sentindo
hoje: mais novo, saudável, cheio de alegria e de energia para enfrentar o
dia-a-dia.
Não fiz maiores nem melhores
comentários. Correspondi aos afagos. Consegui, num esforço tremendo, não sorrir
apenas com o lábio de baixo. Despedimos-nos, cordialmente.
Saí do restaurante me sentindo, de
fato, mais leve do ponto de vista físico. Mas com a consciência pesada. Teria
traído meus amigos? Por que não disse ao Zé Renato, companheiro de outras
épocas, a real impressão que me causou o seu aspecto físico?
Para aliviar a consciência, fiz uma
promessa. Almoçarei pelo menos uma vez por ano em restaurante vegetariano, de
preferência no Dia do Nutricionista. Será uma forma de referenciar meu amigo Zé
Renato e de pagar alguns dos meus (muitos) pecados acumulados pela vida.
Viva o Dia do Nutricionista!
Viva a comida bruta!
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