sábado, 12 de março de 2011

Psicologia, poesia e amor de mãe

A poesia Um Homem Quando Mata e a resposta da mãe que teve seu filho assassinadoambas  publicadas neste Blog, tiveram repercussões diversas. O ZecaBlog foi ouvir o psicólogo, escritor e poeta, membro da Academia Capixaba de Letras, Ítalo Francisco Campos, natural de Uruaçu (GO) e residente em Vitória (ES). Ítalo fala do poder da palavra, das artes, o que sentiu ao ler o texto e, principalmente, sobre a reação da mãe, Sônia, em mensagem ao desembargador e poeta que escreveu os versos tão tocantes. O psicólogo analisa, também, com muita propriedade a questão do remorso, quando e em quem ele de fato ocorre. Uma entrevista que, certamente, traz algumas respostas para os questionamentos, as dúvidas, dos que leram a poesia e a carta de Sônia.

Ítalo Campos é psicólogo, escritor e poeta, nasceu em Uruaçu e mora em Vitória
ENTREVISTA
Ítalo Francisco Campos

“Essa mãe agora está mais preparada para viver”

ZecaBlog – Como você se sentiu, qual foi sua impressão ao ler o poema Um Homem Quando Mata e a reação da mãe por meio de uma carta?

Ítalo – Minha sensação ao ler Um Homem Quando Mata foi, inicialmente, a de estar faltando oxigênio no mundo... Respirando mais fundo, senti que estava vivo e mais sabido. Sim, pretensiosamente, mais sabido, porque o poema é composto de nacos do tesouro significante, encadeados de tal modo e com tanto cuidado que, desvela uma dimensão da verdade, abre a mim nova visão de mundo e da existência. Ao trazer a dimensão da tragédia humana, inescapável, o poema desvela algo da ordem do inconsciente, do ainda não sabido e não dito e, por isso, surpreendente, e belo e ético.
Ao ler o depoimento da mãe senti alegria por acompanhar uma alma que saiu, ela mesma mais que o criminoso, da prisão, se libertou, se liberou. Por isso, seu depoimento dramático tem a mesma grandeza do poema que o provocou. Essa mãe agora esta mais preparada para viver.
  
 ZecaBlog – Como a psicologia vê uma dor tão forte, como a de ter um filho assassinado, possa ter encontrado consolo nos versos de um poema?

Ítalo – O homem, o ser da linguagem, só pode resolver seus dramas através da palavra. Vale lembrar que o pensamento também é palavra. Portanto, o poema, onde se lida da maneira mais nobre, rica e digna da palavra, da língua, fará efeitos profundos segundo a história de cada um.

Zecablog – Um assassino, mesmo quando absolvido de uma pena de prisão, sofre com o remorso? Isso pode acompanhá-lo pelo resto da vida?

Ítalo – Nem todo assassino sofre o remorso ou arrependimento pelo seu ato. E alguns, até mesmo com a pena, não têm a capacidade de arrependimento. Esta capacidade é própria daqueles que são neuróticos, isto é, normais. Para um psicótico que não tem uma estrutura que dê conta simbolicamente do seu ato, isso passa ao largo. Para o perverso, que na sua estrutura isso não se conta, então... Sobra para nós neuróticos a capacidade do arrependimento ou remorso.

ZecaBlog – Existem estudos que mostram que a arte de um modo geral, e a poesia de maneira particular, tornam as pessoas felizes e, portanto, menos vulneráveis a doenças. Como a psicólogo vê essa questão? E o poeta?

Ítalo – Não precisamos ser Nietchsziano para valorizarmos a arte... A fruição de uma obra de arte – seja o poema, a literatura, a arte plástica, a música – promove em quem a experimenta um estado psicológico adverso, anormal, que vai da satisfação ao incômodo. E, às vezes, paradoxalmente, ao mesmo tempo.
Acredito que uma obra de arte é aquela que provoca o sujeito, que “olha” o sujeito e o descentra de uma posição, que o retira de um acomodamento, de uma alienação. A estética, ao lado da ética, é o que faz avançar a civilização, apresentando novas formas de apreensão do mundo e da “coisa”. Pelo que eu disse acima, não acredito em alguma “felicidade” no ser humano, e nem que a obra de arte, ou a arte, seja uma panacéia para a vida, o elixir da vida e do bem-estar. Talvez a alienação pela via da religião, ou a intoxicação pelo álcool e outras drogas, faça isso melhor. Basta acompanhar, mesmo pela TV, o embuste dos “cultos” e o estado de “arrebatamento” com que se tomam os seus crentes.
A vulnerabilidade à doença ou a saúde, creio, está mais relacionada com nossa convivência com nossos anjos e nossos demônios. Como disse R.M. Rilke: “Se meus demônios me deixassem temo que meus anjos também fugissem...” Então, essa vulnerabilidade está relacionada com nossas pulsões de vida e de morte, de Eros e de Thanatos. Podemos “querer” uma vida mais erótica ou mais mortificada – é de cada um. Também é importante que, cada um, possa viver seu cisne branco e seu cisne negro.

5 comentários:

  1. Sou suspeito prá falar, ao mesmo tempo em que tenho autoridade prá isso, pois escrevi o texto objeto do comentário e sou irmão do poeta e psicanalista entrevistado. O Italo é de uma inteligência rara, de uma sensibilidade ímpar. Essa entrevista, a meu ver, é uma jóia. Pequena e cheia de luz. Parabéns a vocês dois. As perguntas são pertinentes e deu ensejo a respostas substanciosas, de quem entende da alma humana....muito legal! Vou divulgar....

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  2. Ítalo, adorei sua entrevista,eu admiro muito suas colocações.Parabéns!

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  3. Visitando Caldas Novas-GO, este final de semana, mostrei para minha mulher e meus filhos, o local onde, aos 12 anos de idade, estive em julho de 1968, acampado com o Grupo Escoteiro Uirapuru, da nossa capital, Goiânia. O Chefe do Grupo, apesar de muito jovem naquela época, era brilhante e considerado o melhor entre os melhores. O nome dêle: Italo Campos. Fiquei curioso em saber se se trata da mesma pessoa do psicólogo e poeta entrevistado neste Blog. Como faz muito tempo, tive dúvidas a partir da foto, apesar das coincidências de nome, faixa etária e por ser êle também goiano. Se não for inconveniência da minha parte, gostaria de saber se o ilustre Dr. Ítalo Campos poderia me tirar esta dúvida. Pode fazê-lo publicamente ou pelo meu e-mail: natanaelgl@yahoo.com.br. Meu muito obrigado. Natanael Gonçalves Leal - Engenheiro Civil em Goiãnia-GO

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    1. Caro Natanael, avisei o Ítalo Campos sobre o seu comentário. Com certeza, trata-se da mesma pessoa que você conheceu em Caldas Novas. Ele deve respondê-lo brevemente. Forte abraço e obrigado pela participação.

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    2. Prezado José Carlos
      Muitíssimo obrigado. O Ítalo já me respondeu, aliás de forma muito gentil e divertida. Mas êle não é a mesma pessoa do meu comentário. Coisas da Internet, que nos leva a descobrir que, combinação incomum de nome com sobrenome, e até outras características mais, podem ser encontradas em outras pessoas por este Brasil afora. Abração. Natanael

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