Muito já se escreveu e já se disse sobre Noel Rosa, o Poeta da Vila. Mas muito não é tudo e, tratando-se de Noel, nem é demais ao ponto que não se possa dizer mais alguma coisa. Esse cantor, poeta e principalmente compositor faria hoje 101 anos. Portanto, estamos saindo hoje do ano em que se comemorou o centenário de Noel.
Mas, a obra de Noel Rosa é profunda o suficiente para extrapolar qualquer período estabelecido pelo nosso relógio ou pelo calendário criado pelo homem. O Poeta da Vila enxergou o seu tempo, a sociedade, de uma forma perene e universal, embora tratasse das coisas do cotidiano: o dinheiro, o samba, o amor, a perda, a amizade – tudo isso sempre fez parte da sua obra, marcada pelo humor e visão crítica.
Noel nasceu, do ponto de vista artístico, junto com o rádio, na década de 20 do século passado, e com o modernismo. A indústria cultural batia às portas da classe média de então. As primeiras gravadoras, como a Victor, lançavam discos no mercado e buscavam artistas que pudessem cair no gosto popular.
Noel Rosa representa um corte na música popular brasileira, que até sua época era marcada pelas músicas românticas, as modinhas ingênuas e muitas vezes açucaradas, distantes do cotidiano das pessoas. Não se quer dizer que não fossem bonitas ou não tivessem valor artístico. Mas, estavam distantes de uma sociedade que começava a se industrializar e a ganhar novos contornos.
Noel coube como uma luva nessa sociedade em transformação. Retratava o seu tempo, o cotidiano das pessoas, mas sem perder a perspectiva histórica e cultural. Suas letras eram concisas, objetivas e sempre muito próximas da realidade das pessoas. Noel conheceu, em Vila Isabel, a fábrica de tecidos, o bonde e o automóvel. Conviveu com gente simples, como operários, domésticas, motoristas, garis, cobradores e, mais assiduamente, garçons. Tudo isso fez parte de seu universo musical.
O estilo de Noel Rosa influenciou a bossa-nova, o tropicalismo, e dezenas de artistas brasileiros, como Chico Buarque, Caetano Veloso, João Nogueira, Beth Carvalho, Ivan Lins, Gonzaguinha e tantos outros. Como hoje termina o ano do centenário desse extraordinário compositor, proponho que comecemos a comemorar o segundo centenário de sua existência artística e cultural, pois, como já disse antes (para ler, clique aqui), Noel Rosa não morreu, nem morrerá, nunca, jamais.
(No vídeo abaixo, na realidade um áudio, Nássara conta como foi composta a música Positivismo, que Noel interpreta acrescentando os versos compostos para ironizar o parceiro.)
Positivismo
Noel Rosa e Orestes Barbosa
A verdade, meu amor, mora num poço
É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz
E também faleceu por ter pescoço
O autor da guilhotina de Paris
Vai, orgulhosa querida
Mas aceita esta lição:
No câmbio incerto da vida
A libra é o coração
O amor vem por princípio, a ordem por base,
E o progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste feliz longe de mim
Vai coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante
A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar
Para não sentir mais o seu veneno
Foi que eu resolvi me envenenar
Nenhum comentário:
Postar um comentário